ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL EM SEDE DE AGRAVO E APELAÇÃO – interpretação da Lei 10.352/01


Antecipação de Tutela Recursal em sede de Agravo e Apelação – interpretação da Lei 10.352/01

 

Autor: Dr. Clóvis Fedrizzi Rodrigues Advogado

 

Publicado em 30.06.2004

 

1. Introdução

 

Atualmente em tema de matéria processual, a vontade do legislador pauta-se na busca incessante da celeridade processual sob fundamento da necessidade de efetividade do processo.(1) Esse foi o primordial objetivo da alteração do disposto no art. 527 do Código de Processo Civil por meio da Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001.

 

A morosidade da justiça é fator principal da injustiça, pensamento esse, defluiu Ruy Barbosa no sentido de que "Justiça que tarda, falha", contrapondo-se ao ditado popular de que a Justiça "tarda mas não falha", poder-se-ia dizer que a celeridade processual traduz a segurança da decisão, e que o fator tempo é preponderante em relação a outras garantias, levando em conta quanto mais tempo se passa entre o fato a ser apurado e a data do julgamento, menos condições tem o órgão julgador de solucionar com segurança e justiça o litígio.(2)

 

2. Celeridade Processual

 

Embora o movimento reformista busque de forma incessante a solução da morosidade da justiça, o princípio da celeridade deve conviver de forma harmônica com o princípio do contraditório e do devido processo legal, preceitos constitucionais de vital importância.(3) O pretexto, puro e simples, da celeridade não supera, no particular, a necessidade de justiça.(4) Certamente causam mais prejuízos à sociedade decisões judiciais céleres e aberrantes do que outras tardias, porém corretas.(5) O ideal, é claro, é dotar o sistema de instrumentos para que o binômio seja celeridade-justiça.

 

A melhor doutrina processual pugna pelo equilíbrio da celeridade e justiça.(6) Da mesma forma que não pode ser justificado um erro por outro, deve ser visto, entretanto, com cautela os argumentos em favor de forma irrestrita da sumarização processual, porque rasga o princípio do contraditório e atropela o devido processo legal, princípios e garantias fundamentais do direito, inseridas no título referente aos Direitos e Garantias Fundamentais da Carta Política.(7)

 

3. Antecipação de Tutela: algumas considerações

 

Evidentemente, necessário se faz decisões rápidas(8) que muitas vezes impossibilitam a defesa do réu, devendo nesses casos se ter em mente a ponderação dos valores sociais em colisão, a serem solucionados pela aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A caracterização dos princípios como deveres de otimização implica regras de colisão, cujo estabelecimento depende de uma proporcionalidade. A ponderação trata exatamente das possibilidades fáticas, das quais depende a concretização dos princípios. Assim, havendo dois princípios em relação de tensão, o meio escolhido deve ser aquele que melhor realize ambos os princípios.(9)

 

A antecipação de tutela tem como escopo a efetividade do resultado do esforço científico do processo, para salvar o direito instantâneo, entendendo-se este como aquele que não pode esperar, que provoca o adiantamento dos efeitos de uma futura sentença (art. 273, inciso I, CPC),(10) podendo haver antecipação sem estar o direito a correr risco. Isto ocorre ao se anteciparem os efeitos da futura sentença como espécie de castigo ao réu quando abusar do direito de defesa (art. 273, inciso, II, CPC).

 

A doutrina, tradicionalmente, distingue as tutelas cautelares da antecipação de tutela. Assim, cautelares seriam as medidas que visam assegurar a efetividade do processo principal, em relação de acessoriedade e de provisoriedade. Antecipação de tutela, por sua vez, é a entrega de plano da própria prestação jurisdicional pleiteada. A Lei nº 10.444/2002 deu nova redação ao § 7º do art. 273 da legislação adjetiva(11), permitindo a fungibilidade das tutelas cautelares e de antecipação.

 

Com efeito, quando o pedido formulado a título de antecipação de tutela tiver nítido caráter acautelatório, não buscando a antecipação do julgamento de mérito a ser proferido na ação de conhecimento, mas apenas decisão judicial no sentido de garantir a eficácia ou o resultado útil do provimento final de mérito a ser proferido na referida ação, pode o juiz conceder a medida cautelar, se presentes os pressupostos desta, fundado no princípio da fungibilidade.

 

3.1 Requisitos

 

Os requisitos exigidos para concessão da tutela antecipada, na forma do art. 273 do Código de Processo Civil, são em síntese os seguintes: 1º) requerimento da parte; 2º) identidade total ou parcial da tutela antecipada com a tutela final pleiteada; 3º) existência de prova inequívoca; 4º) verossimilhança da alegação; 5º) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou 6º) caracterização do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e 7º) possibilidade de reversão da medida antecipada.

 

Acerca dos pressupostos da antecipação de tutela, leciona José Joaquim Calmon de Passos: “reclama o caput do art. 273 do CPC que o juiz, para antecipar a tutela, disponha, nos autos, de prova inequívoca que alicerce seu convencimento sobre a verossimilhança da alegação do autor (pressuposto comum básico) e a isso se soma uma das seguintes situações: a) haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; b) fique caracterizado o abuso do direito de defesa; ou c) o manifesto propósito protelatório do réu. Há sempre uma exigência indispensável – a prova inequívoca da alegação do autor, apta para formar o convencimento do juiz sobre a verossimilhança do alegado, como fundamento do pedido. Denominamos esse pressuposto de comum, por não poder faltar jamais, devendo conjugar-se necessariamente com qualquer dos demais pressupostos, sempre presentes, portanto, em toda e qualquer modalidade de antecipação de tutela. Os demais podem existir isolada ou cumulativamente, somando-se ao comum e básico, pouco importa. O que jamais pode estar ausente é a prova inequívoca, casada com qualquer dos pressupostos que denominamos de particulares ou específicos.” (12)

 

Portanto, em apertada síntese, deverá o autor demonstrar nas suas alegações fáticas e jurídicas, por intermédio de prova inequívoca efetivamente hábil à formação de um juízo de aproximada verdade (verossimilhança), às quais haverão de somar-se ao requisito específico definido como fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou defesa temerária (caracterizada pelo abuso do direito de defesa e/ou manifesto propósito protelatório do réu).

 

Sendo assim, não basta para a obtenção da tutela antecipada a demonstração de perigo de dano (periculum in mora), de maneira a causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação ao autor, caso não obtenha a tutela de plano; esse requisito (específico) haverá de conjugar-se com a demonstração de prova suficientemente capaz de criar no julgador um juízo de verossimilhança, sob pena de não ser obtida a tutela antecipada pretendida.

 

A antecipação de tutela deferida ou indeferida, nos termos 162, § 2º do CPC, é decisão interlocutória, desafiando o recurso de agravo. Entretanto, quando concedida no bojo de sentença de mérito, o recurso cabível é o de apelação, nos termos do art. 513 do CPC, uma vez que a decisão que julga o mérito e concede antecipação de tutela é formalmente uma e deve ser atacada por um único recurso, em obediência ao princípio da unirrecorribilidade das decisões.(13)

 

4. Discricionaridade

 

Nas hipóteses em que se achem presentes os requisitos de concessão da antecipação da tutela, o julgador somente tem uma alternativa que é de conceder, sob pena de ser ato ilegal e arbitrário - José Roberto dos Santos Bedaque leciona: "não se trata de poder discricionário, visto que o juiz, ao conceder ou negar a antecipação da tutela, não o faz por conveniência e oportunidade, juízos de valor próprios da discricionariedade. Se a situação descrita pelo requerente se subsumir em qualquer das hipóteses legais não restará outra alternativa ao julgador senão deferir a pretensão."(14)

 

A concessão da tutela antecipada, desse modo, não é ato decorrente de poder discricionário do juiz, ou seja, estando presentes os fundamentos para a sua concessão de forma inequívoca, ao juiz não é dado indeferir a medida, ou vice-versa, isto é, não estando presentes tais fundamentos, concedê-la. A sua discricionariedade existe quanto à avaliação de estarem presentes, ou não, em cada caso, os elementos característicos da medida, devendo, no entanto, tal avaliação ser sempre fundamentada.(15)

 

Portanto, respeitados os entendimentos em contrário, a decisão que antecipa os efeitos da tutela não se trata de poder discricionário do magistrado, a lei exige que a decisão acerca da antecipação de tutela seja sempre fundamentada, cabendo-lhe enunciar, "de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento" (CPC, art. 273, § 1º). Assim, a concessão ou não da tutela antecipada não fica jungida ao poder discricionário do julgador, mas é um direito da parte quando preenchidos os requisitos que a autorizam, nos termos do art. 273 do CPC.

 

5. Antecipação de Tutela: agravo de instrumento

 

Dando continuidade às reformas processuais estabeleceu-se, a possibilidade de antecipação de tutela recursal.

 

Já na reforma processual anterior (Lei nº 9.139, de 30.11.1995, com vigência a partir de 30.01.1996) possibilitou o legislador a concessão do efeito suspensivo ao agravo, visando abolir o uso freqüente da ação constitucional de mandado de segurança com vista a suspender a decisão agravada, levando em conta que não havia norma processual que pudesse suspender a decisão a quo.(16)

 

A interpretação literal do dispositivo, alterado pela Lei 9.139/95, levava crer a impossibilidade de o relator modificar a decisão interlocutória, concedendo a tutela jurisdicional pretendida. Diante disso, firmou-se o entendimento de que poderia o relator atribuir efeito ativo ao agravo de instrumento, ou seja, antecipar os efeitos da pretensão recursal.(17)

 

A Lei 10.352/01 positivou o entendimento jurisprudencial no sentido de que o relator tem o poder, além de suspender a decisão agravada, conceder ele próprio a medida negada pelo juízo inferior.(18)

 

Portanto, tratando-se de decisão que o juiz pode tomar inaudita altera parte, como acontece no caso de indeferimento da medida liminar pleiteada, também se admite que o recurso interposto dessa decisão seja apreciado pelo Tribunal, concedendo assim o relator a tutela recursal de plano.(19) Com isso a nova legislação homenageia o princípio da efetividade processual, mediante a presteza e eficácia na prestação jurisdicional, mesmo em sede recursal.

 

Esta foi uma alteração benéfica para as partes, sem dúvida, pelo que representa em economia processual. As mesmas razões, portanto, que autorizam a suspensão da decisão impugnada para o eventual provimento do recurso não venha a ser inservível, justificam que, desde logo, conceda-se o resultado prático de seu provimento, nos casos em que sua realização, no final do procedimento recursal, seria inútil.

 

Eduardo Talamini, pioneiro em defender a possibilidade de antecipação de tutela recursal, já defendia que: “há casos em que a decisão impugnada deixou de conceder uma providência (ativa) pleiteada pelo recorrente. Em certas situações, há urgência na obtenção de tal providência. O simples futuro provimento do recurso contra sua denegação poderia vir a ser inútil - vez que já concretizado o dano que se pretendia evitar. É precisamente o que se dá em relação às decisões que indeferem liminares em cautelares, em mandados de segurança, em possessória. Também se enquadra nessa hipótese a decisão que, no processo de conhecimento, nega a antecipação de tutela fundada em risco de dano irreparável (...). Enfim, é o que ocorre em todos os casos em que se nega uma tutela de urgência.”(20)

 

O objetivo da alteração processual levou em conta que não é suficiente ofertar a tutela, é preciso que ela seja prestada adequadamente, com celeridade, com efetividade, realmente garantidora dos direitos.

 

5.1 Requisitos

 

Em sede de agravo, a norma, ao mencionar que o relator pode deferir, em antecipação de tutela, a pretensão recursal, está se referindo, dependendo do caso, aos pressupostos da tutela antecipatória prevista no art. 273.(21)(22) Os requisitos para a concessão do efeito suspensivo são os mesmos constantes do art. 558, ou seja, perigo de lesão grave e de difícil reparação e relevância da fundamentação do recurso.

 

Evidentemente, o relator, ao alterar a decisão de primeiro grau e modificar o indeferimento de pedido de antecipação de tutela, deverá verificar se presentes os requisitos do art 273, senão, seria o mesmo de se dizer que os requisitos de tutela antecipatória, em sede recursal, se limitariam ao perigo de lesão e de difícil reparação e relevantes fundamentos.(23)

 

Entretanto, situação diversa é quando o relator está diante de decisão interlocutória, deferida ou indeferida em processo cautelar - em tal situação basta estarem ou não presentes os requisitos da ação cautelar para o relator negar ou antecipar os efeitos da tutela recursal.

 

5.2 Terminologia

 

Após a alteração processual, pedir ao relator de plano a pretensão recursal, temos como terminologia correta “antecipação de tutela recursal” e não o que impropriamente se denominou de efeito ativo a ser obtido em agravo.

 

6. Antecipação de Tutela: recurso de apelação

 

Praticamente ninguém dos que se dedicaram aos estudos sobre antecipação de tutela recursal tomou posição e mencionou a possibilidade de antecipação de tutela em sede de recurso de apelação.

 

Poder-se-ia dizer que o Código de Processo Civil, no seu artigo 527, inciso III, só admite que o relator antecipe a pretensão recursal, de índole satisfativa, quando se tratar de recurso de agravo de instrumento, levando em conta que à apelação poderá ser atribuído efeito suspensivo nos termos do parágrafo único do art. 558 – medida essencialmente de natureza cautelar.(24) Além disso, quando não presente a suspensividade da apelação e havendo fundado receio de que, durante o período de permanência dos recursos no tribunal para julgamento, possa ocorrer lesão grave ou de difícil reparação do objeto da lide, seria possível a propositura de ação cautelar, com objetivo de suspender a decisão, nos termos do parágrafo único do art. 800 do Código de Processo Civil.

 

Da mesma forma que a construção jurisprudencial e a construção doutrinária pautaram-se no sentido de atribuir o então chamado efeito suspensivo ativo ao agravo, ficando o relator investido do poder de conceder a medida urgente negada pelo juízo inferior, há necessidade de se abrir o diálogo para que tal ocorra com o recurso de apelação.

 

Ocorre que há casos, que muito embora seja suspensa a decisão até o julgamento do recurso, a prestação jurisdicional pode não se tornar eficaz. Imagine o caso de o juiz de primeiro grau indeferir de forma equivocada a petição inicial, a qual contém no bojo pedido antecipatório, extinguindo o processo sem julgamento do mérito com base no art. 267, inciso I, CPC.

 

Em tal situação, não impede o tribunal ad quem apreciar o pedido, incontinente, de antecipação de tutela, analisando os motivos pelos quais o juiz os rejeitou, evitando permanecer os autos no tribunal, quer em prol dos princípios da efetividade e da economia processual, quer por força da aplicação analógica do novel § único do art. 558 do CPC. Além disso, cassada a sentença que extinguiu o feito, sem exame do mérito (art. 267, I, CPC), aplica-se ao caso o § 3º do art. 515 do CPC, a ensejar desde logo a apreciação da lide, quando se cuidar de questão exclusivamente de direito e em condições de imediato julgamento.(25)

 

Nesse caso, presentes os requisitos para concessão do pedido de tutela antecipada, poderá o órgão ad quem adentrar no mérito do pedido antecipatório, ainda que não apreciados diretamente em primeiro grau (§ 3º do art. 515, CPC, introduzido pela Lei nº 10.352/2001, combinado com art. 558 § único), concedendo o pedido antecipatório e devolvendo os autos à primeira instância para análise dos demais pedidos. O mesmo pode ocorrer em processo cautelar ou processo de execução, bem como nos incidentes processuais. O princípio da reforma processual é acelerar a tutela jurisdicional, sem que isso importe em prejuízo às garantias constitucionais(26). In casu, não há que se falar em violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, pois da decisão do relator pode ser interposto eventual agravo dirigido ao órgão colegiado, a teor do § 1º do art. 557 do CPC. Nessa linha, há que se buscar alternativas inteligentes, conjugando-se, o trinômio garantias/efetividade/celeridade.

 

A pretensão não é esgotar o tema, mas simplesmente mostrar para os estudiosos do Direito Processual outras possibilidades a cerca da celeridade e efetividade processual, sem ferir as garantias constitucionais.

 

Considerações finais

 

O presente ensaio pretendeu abordar sem qualquer pretensão de esgotar o tema, as questões relativas à antecipação de tutela em sede recursal, suas carências e as principais propostas apresentadas por aqueles que lidam com o direito como instrumento de realização da justiça e de satisfação social.

 

Inúmeras outras questões práticas poderiam ter sido suscitadas por nós, mas, na verdade, satisfeitos ficaremos se com esse trabalho pudermos dar uma diretriz a ser seguida na solução da realidade do direito e, o que é ainda mais importante, se conseguirmos despertar o interesse de profissionais do direito, possuidores de uma bagagem maior de conhecimentos jurídicos.

 

Com estes breves comentários, esperamos suscitar o debate sobre o tema, bem como auxiliar os demais operadores que militam nesta seara do Direito, sem, portanto, a veleidade de esgotar o tema.

 

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Notas

 

1. OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA aborda a tendência brasileira de ordinarização do processo, o que acarreta excessivo peso imposto ao autor da ação, decorrente, exatamente, da demora no exame da lide. 9 Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 1, 30 jun. 2004 (SILVA, Ovídio Baptista da. Revista Jurídica, n. 231, Porto Alegre: Síntese, jan.1997, pág. 5)

 

2. O Prof. LUIZ GUILHERME MARINONI afirma que a duração excessiva do processo é mais gravosa e afeta com maior intensidade as partes economicamente mais fracas e necessitadas, malferindo o princípio da igualdade. Com base nos escólios de CARPI, CAPPELLETTI e CALAMANDREI, o processualista emérito do Paraná sustenta que a morosidade do processo pode acentuar desigualdades substanciais entre as partes e causar injustiça social, isto porque o grau de resistência do pobre, para aguardar o desfecho do processo, é sempre menor do que o do rico “Novidades sobre a Tutela Antecipatória”. Revista de Processo, nº. 69, p. 110.

 

3. Ressalta a importância do devido processo legal Nelson Nery Junior, chegando a dizer que: “bastaria a Constituição Federal de 1988 ter enunciado o princípio do devido processo legal no caput e a maioria dos incisos do art. 5º seriam absolutamente despiciendos. De todo o modo, a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, com preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações.” (Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 42.)

 

4. No mesmo sentido TEORI ALBINO ZAVASCKI. Antecipação da tutela. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 58-68.

 

5. Fazendo forte crítica à celeridade buscada pelo legislador na Lei 9.099/95, J. J. CALMON de PASSOS, afirma: “e este é também um vício que afeta a constitucionalidade de alguns dispositivos da L. 9.099. Nem se diga, um tanto desavisadamente, que nela inexistem reduções de garantias processuais constitucionais, tendo apenas havido, para adotarmos a gongórica proclamação da própria lei, ênfase nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Tudo isso feito em benefício de mais eficiência e efetividade na prestação jurisdicional. Ninguém ousará discordar de que, em favor de objetivos tão nobres, todas as formalidades supérfluas devem ser descartadas. Duvido, entretanto, que alguém ouse afirmar autorizarem as vantagens antes referidas o sacrifício de qualquer dos princípios que estruturam a garantia do devido processo legal, bem mais relevante. Contudo o que ocorreu foi precisamente o inverso. A lei dos Juizados Especiais é pródiga não em eliminar formalidades, sim em descartar garantias das partes em beneficio do arbítrio do magistrado, dando prioridade às urgências do Poder Judiciário, pressionado pela sobrecarga de trabalho que sua defeituosa institucionalização constitucional determina. A par disso, 10 Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 1, 30 jun. 2004 traduz ela, com fidelidade, a vocação nacional para o autoritarismo que ainda adoece a elite e a classe média brasileiras, até hoje afetadas pela síndrome da ‘casa grande e senzala’, doença de que não nos pudemos curar ainda, máxime quando interagimos com o outro, quer na qualidade de sujeitos privados, quer na condição de legisladores, administradores ou julgadores”.(A Crise do Poder Judiciário e as Reformas Instrumentais: avanços e retrocessos, Publicada na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº. 15 – Jan.-Fev./2002, pág. 5)

 

6. Para EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGÃO, “entre dois ideais, o de rapidez e o de certeza, oscila o processo”. (Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976, v. 2, p. 100). Cf., também, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 232.

 

7. O referido argumento não pretende criticar o movimento reformista ao ponto de entender não necessária as reformas realizadas, mas sim observar que as mudanças devem conviver com os princípios e garantias constitucionais. Por isso, os princípios são ordens de otimização, que são caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 86.

 

8. CARNELUTTI já afirmava "O tempo é um inimigo do Direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas", e sua preocupação de que a tutela antecipatória deveria: "evitar, no limite do possível, qualquer alteração no equilíbrio inicial das partes que possa resultar da duração do processo". CARNELUTTI, Francesco. Diritto e Processo, n. 234, p. 356.

 

9. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, op. cit., p. 99-101.

 

10. Como bem observa DONALDO ARMELIN, com apoio em LUIGI MONTESANO, "a adoção dessas técnicas diferenciadas objetiva atender ao reclamo de uma efetiva prestação jurisdicional, considerando, de um lado, que, para alguns direitos, torna-se conveniente sacrificar a certeza e segurança resultante de uma tutela lastreada em cognição plena e exauriente e, pois, qualificada pela imutabilidade, às exigências de sua rápida e concreta satisfação. De outro lado, leva-se em conta a inexistência ou insubsistência manifesta, efetivas ou virtuais, da defesa do réu, inibindo o abuso do direito a essa defesa e eliminando, pelo menos em parte, o dano 11 Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 1, 30 jun. 2004 marginal decorrente da excessiva demora na prestação jurisdicional". Tutela Jurisdicional Diferenciada. In Revista de Processo nº. 65, p. 45.

 

11. Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (...) § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº. 10.444, de 07.05.2002, DOU 08.05.2002, em vigor 3 (três) meses após a data de publicação).

 

12. JOSÉ JOAQUIM CALMOM DE PASSOS. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pp. 22- 3.

 

13. Nesse sentido, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL – TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA SENTENÇA – APELAÇÃO – Recurso cabível. De acordo com o princípio da singularidade recursal, tem-se que a sentença é apelável, a decisão interlocutória agravável e os despachos de mero expediente são irrecorríveis. Logo, o recurso cabível contra sentença em que foi concedida a antecipação de tutela é a apelação. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 524017 – MG – 6ª T. – Rel. Min. Paulo Medina – DJU 06.10.2003 – p. 00347).

 

14. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

15. THEODORO JÚNIOR, Humberto: “Já no âmbito de antecipação de tutela, o espaço de liberdade do juiz é quase nenhum. Somente o que for requerido pela parte poderá ser concedido dentro do permissivo contido no art. 273 do CPC. E se configurados os pressupostos legais, não há discricionariedade para o juiz. A antecipação é direito da parte. Da mesma forma, se o interessado não fornece ao juiz os comprovantes dos pressupostos do art. 273, não lhe resta margem para propiciar benesses ao requerente. O pedido de antecipação terá de ser irremediavelmente denegado.” (Revista Jurídica, n. 253, Porto Alegre: Síntese, nov. 1998, pág. 25).

 

16. Após a vigência da Lei 9.139/95, consolidou-se o entendimento da impossibilidade da impetração da ação constitucional com objetivo de suspender a decisão atacada: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ATO JUDICIAL RECORRÍVEL – Descabimento do mandamus. Súmula 267/STF. O ato judicial 12 Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 1, 30 jun. 2004 impetrado é de natureza interlocutória, passível de impugnação por meio de agravo de instrumento, com a possibilidade de que lhe fosse atribuído efeito suspensivo, nos termos do artigo 558 do Código de Processo Civil, com redação determinada pela Lei nº. 9.139/95, não se inserindo, pois, a pretensão deduzida entre aquelas passíveis de amparo pela estreita via do mandamus, ante o óbice da Súmula 267 do colendo Supremo Tribunal Federal. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STJ – ROMS 15409 – SP – 3ª T. – Rel. Min. Castro Filho – DJU 13.10.2003 – p. 00358).

 

17. Cf. EDUARDO TALAMINI. A nova disciplina do agravo e os princípios constitucionais do processo, Revista de Processo n. 80 p.125-147; Roberto Armelin, “Notas sobre antecipação de tutela em 2º grau de jurisdição” In: ARRUDA ALVOM WAMBIER, TERESA. Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997, p. 431-455, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Os agravos no CPC brasileiro 3ª ed.: São Paulo, Revistas dos Tribunais, 1996, p. 267.

 

18. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 190.

 

19. A decisão monocrática de relator indeferindo antecipação de tutela recursal em agravo de instrumento interposto perante tribunal de segunda instância pode ser impugnada por recurso interno ao colegiado. Aplicação do princípio constitucional da colegialidade dos tribunais e do art. 39 da Lei nº. 8.039, de 1990. 2. Não está na competência do STJ, nem por via recursal e muito menos por ação direta (como, no caso, a ação cautelar) exercer o controle sobre atos de relator ainda sujeitos a recurso para o tribunal perante o qual ainda tramita a demanda. (STJ – AGRMC 6566 – MT – 1ª T. – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJU 01.09.2003 – p. 00217).

 

20. A Nova Disciplina do Agravo e os Princípios Constitucionais do Processo. São Paulo: Revistas dos Tribunais. Revista de Processo n. 80. p. 125-147

 

21. PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO QUE INDEFERE A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – LIMITES DE DISCUSSÃO POSSÍVEL EM SEDE DE AGRAVO INTERNO – REQUISITOS PARA A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL – 1. Nesta fase do processamento do recurso de agravo de instrumento, não cabe decidir sobre o acerto ou o erro da decisão proferida pelo douto juízo de primeira instância. Cuida-se apenas de verificar a presença dos requisitos para a antecipação da tutela recursal pretendida pelo agravante, que são, no caso concreto, a verossimilhança e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, caput, e inciso I, do CPC). 2. Não é suficiente ao agravante 13 Revista de Doutrina da 4ª Região, n. 1, 30 jun. 2004 reportar-se apenas à verossimilhança, deixando de lado as considerações acerca do risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Se o agravante não aponta, de forma clara e objetiva, em quais fatos reside o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, caso não seja concedida a antecipação da tutela recursal, não é dado ao julgador extrair a potencialidade do risco temido das entrelinhas das razões recursais, nem, muito menos, substituir-se ao recorrente na tentativa de supor quais sejam seus motivos. Meras alegações, desacompanhadas de qualquer prova da concreta possibilidade de ocorrência dos fatos alegados, não são suficientes para autorizar a antecipação da tutela recursal pretendida, sobretudo diante do caráter de excepcionalidade de tal prerrogativa. Agravo regimental improvido. (TJDF – AGI 20020020084122 – DF – 5ª T.Cív. – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJU 27.08.2003 – p. 48).

 

22. No mesmo sentido (TRF 2ª R. – AGTAG 2002.02.01.045498-0 – RJ – 4ª T. – Rel. Juiz Benedito Gonçalves – DJU 17.12.2002 – p. 276).

 

23. Entendimento diverso MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 7, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

 

24. (TRF 1ª R. – AGRAC 36000035822 – MT – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Eustaquio Silveira – DJU 02.12.2002 – p. 19).

 

25. Assim dispõe o dispositivo: art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (...) § 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº. 10.352, de 26.12.2001, DOU 27.12.2001, em vigor 3 (três) meses após a data da publicação).

 

26. DINAMARCO, Candido Rangel, op. cit., p.163.


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  •   A Prescrição Aquisitiva com o Decreto de Falência

    Por: Christian Barbosa Fedrizzi - Advogado Clóvis Fedrizzi Rodrigues - Pós-Graduado em Direito Tributário pela UFRGS Doutorando em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Mestre em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Pós-Graduado em Direito Processual Civil Advogado   Resumo: Esse artigo analisa a prescrição aquisitiva frente à decretação de falência e se propõe explorar o estudo jurídico do instituto de aquisição originária de propriedade pelo decurso do tempo em oposição aos efeitos imediatos da decretação da quebra.  Investiga-se o cerne da posição jurisprudencial majoritária e a divergência doutrinária.   SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA DEFINIÇÃO DA USUCAPIÃO. 3 DA INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. 4 DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA E SEUS REFLEXOS SOBRE A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. 4.1 Da decretação da falência e seus efeitos. 4.2 Análise da Jurisprudência sobre a suspensão da prescrição aquisitiva. 5. DA CORRETA INTERPRETAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO FALIMENTAR. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.   1. INTRODUÇÃO   Esse artigo abordará como tema a usucapião de imóvel de propriedade da Massa Falida, mais especificamente a respeito das hipóteses de suspensão ou não do prazo da prescrição aquisitiva ante o decreto falimentar. Para tanto será analisada a jurisprudência contemporânea, especialmente o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1680357/RJ com voto condutor da Ministra Nancy Andrighi. Da mesma forma será analisada a divergência jurisprudencial com a doutrina e legislação falimentar quanto à suspensão do prazo prescricional da usucapião na falência. Isso porque a falência, como instituto jurídico de execução coletiva  concursal, busca arrecadar todos os bens para a realização dos ativos e satisfação do credores. A esse respeito, os bens da Massa Falida  objeto da atratividade do juízo falimentar, não deixam de ser sujeitos de obrigações ou exercícios de posse ou propriedade. O enfoque parte dos desdobramentos do decreto de falência e suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor e se essa suspensão também alcança a prescrição aquisitiva, com devida atenção aos efeitos da decretação da quebra e formação da massa falida enquanto instituto revestido de universalidade e indivisibilidade. Nessa linha se realizará uma interpretação exegética da legislação falimentar (tanto pelo art. 47 do Decreto-Lei 7661/45 ou pelo art. 6º, caput da Lei 11.101/2005), tentando tornar possível, à partir da averiguação da vontade do legislador, perquirir a literalidade das normas em comento.   2. DA DEFINIÇÃO DA USUCAPIÃO   O instituto da usucapião é modo de aquisição originária da propriedade. A respeito da conceituação geral do instituto, José Carlos de Moraes Salles assevera que usucapião é “aquisição do domínio ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, durante o tempo estabelecido em lei”. Ademais, têm-se ainda que a usucapião se estende à aquisição de direitos reais além dos imóveis, tais como servidões, o domínio útil na enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação.[1] Importante constatar que a usucapião, em qualquer hipótese, tem como consequência a perda da propriedade ao titular, enquanto o possuidor a adquire. Não por outro motivo é impensável introduzir a usucapião como dissociado de figuras insculpidas no ordenamento, como função social da posse/propriedade, efetiva utilização da coisa e, até mesmo, punição ao proprietário pela inércia.[2] Nessa esteira, o instituto da usucapião se assenta no princípio da utilidade social, até mesmo pública, visto que a inação do proprietário em relação à sua propriedade não parece ser conveniente ao interesse coletivo. Com efeito, o proprietário que não exerce seu domínio não contribui para a sociedade com cultivo e habitação, de modo que o direito se presta a tutelar a utilização, mesmo que por outrem, de coisa abandonada.[3] Importante ainda ressaltar, a compreensão basilar de que “a posse há de ser contínua (sem interrupção), bem como mansa e pacífica (sem oposição)”[4]. Não se configura a hipótese de suspensão ou interrupção da prescrição aquisitiva em se tratando de esbulho ou turbação. Isso porque “para haver interrupção capaz de arredar o usucapião, é necessário ser o possuidor despojado de sua posse de maneira inequívoca”.[5] Tais dizeres devem ser considerados oportunamente em face aos efeitos da posse sobre os bens do devedor falido, que por sua vez, estão tutelados por outros princípios reguladores e protetores, por vias diversas.   3. DA INTERRUPÇÃO OU SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO   Antes de passar à evidenciação do instituto da falência, cumpre averiguar um panorama geral da diferenciação da suspensão ou da interrupção da usucapião. De início, há distinção entre causa suspensiva e causa interruptiva. A primeira tem viés de paralização, ou seja, causa óbice ao transcurso do prazo, ficando resguardado, porém, a fluência do tempo em momento posterior, sem que se perca o tempo já transcorrido. Em se tratando das causas de interrupção, há a perda total do tempo transcorrido, inexistindo possibilidade de retomada da contagem do prazo a partir do marco interruptivo.[6] A exemplo do acima disposto, e já adiantando o cerne da discussão que se propõe averiguar, temos como modelo o art. 6º da Lei 11.101/2005 e entendimento de Ecio Perin Junior, o qual ressalta que “A falência implica suspensão e não interrupção do prazo prescricional”[7]. Inclusive porque, nas palavras de Ricardo Negrão, o art. 157 da mesma lei “estabelece o recomeço de sua fluência a partir da data em que transitar em julgado a sentença de encerramento da falência”.[8] Nessa linha, assumindo a categoria jurídica de “suspensão”, o prazo da prescrição aquisitiva, se esta sequer for a hipótese, seria tão somente paralisado, havendo a possibilidade de sua fluência em momento posterior à sentença de encerramento da falência (na virtual hipótese de haver bem arrecadado não levado à leilão judicial).[9]   4. DA DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA E SEUS REFLEXOS SOBRE A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA   O instituto da falência possui definição pouco controvertida na doutrina brasileira, se tratando notoriamente de processo de execução coletiva[10]. Por outro lado, a noção empírica do significado do termo falência possui claro sentido de insolvência, ou, em sendo mais aproximado ao sentido jurídico, a um sentido de estado financeiro e econômico do devedor[11]. Em razão disso, claramente se denota que a falência por si só é um instituto jurídico indissociável de uma noção econômica derradeira e pré-existente, surgindo o instituto como derivado da observância de um estado de fato, qual seja, a insolvência do empresário. [12] É um concurso de credores (excluídos os créditos tributários, entre outros), portanto, visto que a massa falida objetiva se trata de patrimônio unificado e aglutinado (ativos) a fim de suprir os credores do empresário falido. Estes credores, enquanto massa falida subjetiva, estão em ordem legal de gradação[13] e possuem a pretensão de quitação de seu crédito (passivo), a ser concretizada na medida em que os ativos são realizados por um administrador/síndico nomeado. Enquanto no direito em geral a sentença possui natureza terminativa, na falência a decretação da quebra se dá por meio de sentença, iniciando, portanto, o concurso de credores, e por essa razão possui natureza de sentença constitutiva, pois inaugura um regime jurídico específico, o falimentar. Diante disso, a legislação atenta-se ao panorama econômico-financeiro da sociedade e da empresa. Porém, há também preocupação com a figura do credor, que deve, na medida do possível, sofrer o mínimo. Não por outro motivo, o direito falimentar, em se tratando de sua função ou finalidade, conforme Carlos Alberto Farracha de Castro, “deve sempre funcionar com a finalidade de preservar o crédito público e a igualdade de credores”.[14] Com efeito, se denota o quão atípico é o instituto da falência, eis que uma visão sistemática a respeito da legislação falimentar deixa claro que se trata de normativas de natureza múltipla, visto que, em se tratando de um procedimento concursal, a lei não só discorre acerca da recuperação judicial e da falência, mas também a respeito de ramos diversos do direito empresarial, como o direito civil, penal, tributário, processual civil e, até mesmo, administrativo. Nesse mesmo sentido, Manoel Justino Bezerra Filho ratifica:   Primeiramente, é necessário observar que a Lei de Recuperação e Falências tem natureza tanto adjetiva quanto substantiva. Embora se aplique o Código de Processo Civil, no que couber, (art. 189 da Lei 11.101/2005), o Código Penal no que se refere à prescrição (art. 182) e o Código de Processo Penal, para os procedimentos penais (art. 185), traz ela uma série de determinações de natureza processual. Por outro lado, traz também diversas normas de natureza substantiva, de direito material. Trata-se, assim, de lei de natureza mista, processual e material ao mesmo tempo.[15]   Mais especificamente a respeito da legislação falimentar, o Decreto Lei nº 7.661/1945 notoriamente é reconhecido como um pouco mais benéfico ao devedor falido quando comparado à Lei nº 11.101/05. Entretanto, a necessidade de maior proteção aos trabalhadores, celeridade processual, participação ativa dos credores por meio de assembleia e maior valorização dos ativos do falido patrocinaram a atualização da legislação. Nessa linha, a vigente Lei 11.101/2005 detêm alterações e adaptações consideráveis. Independente da legislação em comento, não há como se resguardar da observância dos princípios que regem o direito falimentar: celeridade; economia processual; unidade e universalidade do juízo falimentar; e igualdade de tratamento entre credores.   4.1. Da decretação da falência e seus efeitos             Apresentado brevemente o instituto da falência, bem como suas peculiaridades passa-se o foco à controvérsia. A decretação da quebra e seus efeitos, por meio da sentença de falência, são de compreensão imprescindível à análise do embate de institutos. Sendo mais específico ao universo falimentar, após a decretação da quebra, há efeitos automáticos que desencadeiam consequências não só no mundo jurídico atinente aos credores da massa, mas também à esfera imediata do falido. Esses efeitos naturalmente decorrem da sentença de falência, e de fato se expandem para numerosos negócios e relações jurídicas. Dentre tais, importa ao tema destacar que a decretação da quebra condiciona com seus efeitos: a) os credores; b) o próprio falido; e, por fim, c) os bens do falido.[16] Os efeitos sobre os credores são aqueles de natureza protetiva. Entretanto, ressalta-se que essa proteção não acoberta o sujeito credor, mas sim a massa de credores, sempre almejando beneficiar o todo. Como exemplo dessa generalização protetiva, têm-se a própria determinação de suspensão do curso da prescrição, alinhada a suspensão de todas as ações e execuções em face da falida a fim de que os credores ingressem no concurso geral por meio de incidente de habilitação de crédito[17]. Justifica-se isso porque o recebimento dos créditos só pode se dar através de um concurso unificado em um só juízo, de forma que a decretação condicione a “regência do direito dos credores em relação aos negócios jurídicos anteriormente firmados [...].”[18] Se a lei condiciona aos credores uma planificação de caráter igualitário, a fim de colocá-los em uma condição de igualdade (par conditio creditorum), ao falido atribui efeito restritivo. Ao menos é o que se observa em determinados direitos, bem como a imposição de obrigações, visto que há expressa proibição do exercício da atividade empresarial (até a sentença declaratória de extinção das obrigações); limitação à sua capacidade processual, visto a perda da disposição dos bens; e a obrigação de não se ausentar da comarca da falência.[19] Quanto aos bens do falido, importa destacar que o devedor perde a livre administração dos bens, porém sem perder a propriedade[20]. O encargo da administração e gerência desses bens será repassado ao administrador judicial a fim de garantir algum fruto aos credores através de providências diversas, incluindo a arrecadação desses bens, derivada do efeito de desapossamento oriundo da decretação da quebra[21]. Naturalmente, a titularidade do falido se extingue com a venda judicial dos bens arrecadados, que necessariamente precisam ser liquidados a fim de atender aos credores habilitados. Porém, essas são disposições gerais que permeiam o processo de falência. Há efeitos generalizados desencadeados pela sentença de falência[22] que não importam ao assunto, isso quando tangenciados pela discussão acerca da prescrição aquisitiva. No que importa ao tema, a limitação de dispor de seus bens se traduz novamente em uma noção de valorização una do juízo da falência ante seu universo de credores, se tratando de uma congregação do patrimônio e repassando a administração desses bens ao juízo falimentar[23]. O falido é afastado, portanto, conservando o interesse de fiscalização e requisições a título de conservação de seus direitos e bens arrecadados, ao menos no curso do processo falimentar. Encerrada a falência, o falido retoma a administração de seus bens eventualmente remanescentes.[24] Ambos os conceitos acima apresentados geram uma reflexão relevante ao deslinde da análise: como pode a pretensão ad usucapionem ter força frente à universalidade do juízo falimentar e a incapacidade de o falido dispor de seus bens? Anteriormente foi ressaltado como a inércia do proprietário constitui pressuposto fático da usucapião. A reflexão aqui proposta reside na impossibilidade de o falido exercer sua oposição à posse mansa e pacífica precisamente em razão da indisponibilidade imposta pela decretação de falência. Nesse sentido que surgiu novo entendimento, acerca de que, se o proprietário/titular nem ao menos possui a disponibilidade dos bens (em razão do decreto falimentar, e não por mera desídia), não pode ser punido com a perda do domínio.[25] Em antítese, resta dúvida se responsabilidade de oposição seria repassada ao administrador judicial, apesar de carecer de força de propriedade da coisa. Ademais, o bem se torna afetado pelo interesse da coletividade de credores habilitados, mas estes também não figuram como titulares aptos a fazer oposição ao exercício da posse, que, gize-se, precisa ser sem oposição. A impossibilidade de dispor dos bens não se traduz em desinteresse de exercer a inércia, de forma que a diferenciação precisa ser ressaltada. Por óbvio que essa inércia oriunda da indisponibilidade somente causaria óbice quando derivada de sentença de decretação da quebra proferida antes da concretização da prescrição aquisitiva. Sendo posterior, a posse pelo tempo já estaria configurada, bastando apenas a carga declaratória da sentença para declarar a aquisição da propriedade. O óbice da universalidade e indisponibilidade será fundamento inferível na atual posição do Superior Tribunal de Justiça, principalmente quanto à referência expressa no fundamento de incursão do decreto de falência na esfera privada do pretenso adquirente. Porém, trata-se de interpretação extensiva do julgado, restando apenas ponderar. Por outro lado, o parágrafo primeiro do artigo 103 da LFRJ faz ressalvas às indisponibilidades atribuídas ao falido. A lei permite ao mesmo requerer providências, inclusive ações ou recursos para a conservação de seus bens arrecadados e direitos. E mesmo assim, a doutrina entende que a decretação da quebra não importa automaticamente na suspensão do prazo aquisitivo. Nesse rumo o entendimento de Marcelo Barbosa Sacramone aduz a prescrição aquisitiva não pode se suspender a partir da decretação da quebra, muito embora sua imediata composição à Massa Falida objetiva. Isso porque, mesmo ante a indisponibilidade do art. 103 da LFRJ o bem é repassado à guarida do administrador judicial nomeado, inexistindo implicação direta à sustação da “comercialização” do bem. [26] Seguindo nessa linha de raciocínio, entende o autor que é incumbência do administrador judicial praticar atos tendentes ao impedimento do prazo aquisitivo, assumindo, simultaneamente, que há possibilidade de usucapião com a fluência do prazo, ante a inércia do administrador judicial ou do falido que exerça seus direitos através da permissão do parágrafo único do art. 103 da Lei 11.101/2005. [27] Explica-se: não se encontra suficiente a mera decretação da quebra a fim de obstar o curso do prazo da prescrição aquisitiva. Para tanto, se exige a prática de atos necessários para que se impeça a consumação da prescrição aquisitiva, competindo os mesmos, por óbvio, ao síndico/administrador judicial. A adoção das medidas cabíveis, aí incluída a defesa da posse em favor da massa falida, a fim de evitar o transcurso da prescrição aquisitiva, que, no presente caso, não se suspende, mesmo ante a arrecadação. Isso porque a decretação da quebra, ou, até mesmo, a arrecadação do bem imóvel pela massa falida não importa em exercício automático da posse por esta, principalmente em havendo possuidores com devido cumprimento da função social da propriedade. No entendimento aqui apresentado, em que pese decretada a quebra, a inércia da massa falida dá ensejo à lícita ocupação e consequentemente aquisição da propriedade pela prescrição aquisitiva. Entretanto, a atual jurisprudência não se inclina nesse posicionamento como veremos a seguir.   4.2. Análise da Jurisprudência sobre a suspensão da prescrição aquisitiva   Já de início, a postura jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça se inclina indubitavelmente à imediata suspensão do prazo da prescrição aquisitiva uma vez decretada a falência do devedor. Ignorando a já supracitada diferenciação entre suspensão e interrupção, conforme exposto, o atual entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, em 16.10.2017 sob relatoria da Ministra Relatora Nancy Andrighi no REsp 1680357/RJ[28], refere que a prescrição aquisitiva será interrompida em razão dos efeitos automáticos da falência sobre os bens do devedor, havendo incursão do Estado na esfera privada. Em sendo mais específico, o voto delineia que o patrimônio do falido, em razão da decretação da quebra, passa a fazer parte da massa falida objetiva, interrompendo automaticamente o curso da prescrição aquisitiva. A epítome do julgado, portanto, se resume no sentido de que o decreto falimentar possui imediato efeito sobre os bens do devedor, revestindo-os para o fim de composição da massa falida objetiva. Assim o faz porque a interpretação conferida pela Ministra Relatora Nancy Andrighi transparece imediata preocupação com o objetivo da lei em maximizar a satisfação dos credores e seus interesses através da execução concursal. Não por outro motivo o voto contém a diferenciação entre massa falida objetiva e massa falida subjetiva, fazendo ressalva à massa de credores que forma a massa falida subjetiva, em surgimento simultâneo com a formação da massa falida objetiva, que se trata do véu de afetação que acoberta os bens do falido.[29] Tal trecho deixa patente a interpretação restrita do Tribunal Superior, principalmente no sentido em que atribui eficácia imediata à decretação a quebra do devedor. Nesse sentido, o bem do devedor, e objeto de pretensão adquirente, passa a ser afetado pela massa falida objetiva, interrompendo o prazo para a prescrição aquisitiva.   A lavra do voto também se baseia amplamente na doutrina de Pontes de Miranda, interpretando entendimento do célebre autor no sentido de que o Estado, ao decretar a quebra, prescinde de ato material a fim de garantir a constrição dos bens do falido. O douto autor, em um dos trechos da sua obra dedicada à “investigação científica”[30], atribui ao juízo falimentar e concursal o poder fático sobre o patrimônio do devedor, sendo que a constrição desses bens, emanada pela natureza concursal da falência, precede ato de arrecadação ou de sequestro. Com efeito, tal entendimento abre margem à interpretação posta no julgado, visto que Pontes de Miranda atribui os efeitos suspensivos da decretação de quebra à natureza de posse imediata oriundos da decretação da abertura do concurso de credores:   Se concebemos o juízo concursal como incurso na esfera jurídica do devedor, desde a abertura do concurso de credores, portanto com poder fáctico sobre o patrimônio do devedor, esse poder é emanação do ato de decretação do concurso de credores. A constrição é por tomada de posse mediata dos bens de que se há de extrair o valor (penhoramento abstrato); e a penhora, a arrecadação ou qualquer outro ato semelhante é tomada de posse imediata, ou tomada de posse imediata com subsequente mediatização da posse. No caso de somente haver no patrimônio do devedor, a respeito de algum bem, posse mediata, tudo se passa sem qualquer ato material: basta o efeito sentencial.[31]             O atual entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria da Ministra Relatora Nancy Andrighi no REsp 1680357/RJ, portanto, aduz que o decreto falimentar por si só possui condão de interromper a fluência do tempo, transportando os bens do falido para além da esfera da disponibilidade e alçando-os ao interesse coletivo da massa de credores da falência.[32] Veja-se, entretanto, que o julgado analisado não baseia sua fundamentação a respeito da suspensão da prescrição aquisitiva com fulcro no art. 47 do DL 7.661/45. Inclusive, faz referência direta à entendimento doutrinário em sentido oposto, aduzindo que a prescrição aquisitiva não chega a ser interrompida ou suspensa pela suspensão determinada pelo referido artigo. Isso porque, conforme entende a Ministra, a prescrição aquisitiva não é alvo da suspensão, visto que essa se limita às obrigações do falido.[33] A título de exemplo, a jurisprudência dos Tribunais locais adotou a postura referida nesse tópico, tornando tal entendimento o majoritário no julgamento das ações de usucapião intentadas contra massa falida que teve sua decretação no curso da prescrição aquisitiva.[34] Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de relatoria do desembargador Miguel Brandi na ação cível nº 0022030-84.2004.8.26.0100, decidiu que a arrecadação do bem imóvel, pelo administrador judicial, muito embora houvesse o exercício da posse pelos interessados, não é suscetível de proteção possessória e de usucapião. A esse mesmo respeito, temos os julgados recentes do STJ nessa mesma esteira: REsp nº 1887110/SP[35] e AREsp nº 143153/SP[36]. Portanto, ao menos jurisprudencialmente, a suspensão não se opera pela determinação do art. 47 do DL 7.661/45, mas sim em razão da incursão do Estado na esfera jurídica do devedor a partir da decretação da quebra. Cumpre relembrar a universalidade e indisponibilidade dos bens do devedor, que, denote-se, mesmo enquanto aspectos basilares do instituto da falência, não sofreram referência expressa no julgado analisado.   5. DA CORRETA INTEPRETAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO FALIMENTAR   Apresentando o atual entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, após acórdão da lavra da Ministra Relatora Nancy Andrighi no REsp 1680357/RJ, cabe analisar a ação direta da suspensão do curso da prescrição conforme esculpida na legislação falimentar. Os dispositivos legais abrem azo à compreensão de que a suspensão da prescrição se dá tão somente em relação à prescrição das obrigações do devedor. Note-se bem: direito das obrigações situação diversa ao que alcança os direitos reais onde está inserido o direito de propriedade. A legislação no ponto (entenda-se incluído o art. 47 do revogado Decreto-Lei nº 7.661/45 e o caput do art. 6º da Lei 11.101/2005) refere que, após o decreto de falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial impõe a suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor/falido. Os referidos dispositivos implicam, efetivamente, na defesa do interesse dos credores, visto que a determinada suspensão pretende obstar qualquer ação contra a massa a fim de que os credores compareçam à falência ou recuperação judicial para habilitar seus créditos. Trata-se, portanto, de forma de aglutinação das discussões judiciais em um único juízo da falência ciente das peculiaridades do caso e aliado do administrador judicial, que, por sua vez, verifica e auxilia na análise das lides e discussões que seriam alheias em eventual não atratividade.[37] De início, denota-se duas patentes observações: i) tanto o decreto revogado quanto a vigente Lei falimentar deixam de especificar expressamente a natureza ou aquisitiva, ou extintiva, ou simultânea da prescrição a ser suspensa; ii) ambos os artigos promovem no ponto a referência expressa à natureza obrigacional do curso da prescrição suspendida a partir do decreto falimentar. Assim se ressalta porque, por anos, parte do entendimento jurisprudencial se preocupou com a suspensão do prazo da prescrição aquisitiva com base nos supracitados artigos. Mais recentemente, inclusive, alguns tribunais ainda mantém essa linha de raciocínio. O Tribunal de Justiça de São Paulo entende o óbice do Decreto 7.661/45 como efetivamente suspensivo do requisito temporal da usucapião: “Uma consequência da quebra é a suspensão dos prazos prescricionais inclusive para fins de usucapião, conforme o art. 47. da Lei 7.661/45 combinado com o art. 1.244 do Código Civil”.[38] Em que pese o entendimento jurisprudencial que vem se consolidando a partir do atual entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, com voto condutar da Ministra Nancy Andrighi no REsp 1680357/RJ, parte da doutrina, desde há muito, entende pela possibilidade de usucapião de imóveis pertencentes à massa falida. Esse referido entendimento doutrinário discorre acerca das hipóteses de suspensão da prescrição aquisitiva. Denote-se, todas as observações no ponto têm como mote a redação dos artigos 47 do Decreto Lei 7661/45 e artigo 6º da Lei nº 11.101/2005, principalmente acerca da suspensão de eventual prescrição aquisitiva de bem do devedor. Porém, há aqui uma breve consideração a se fazer. Antes de ser modificado pela Lei 14.112/2020, o caput art. 6º trazia a seguinte redação:   A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.   Atualmente o artigo 6º refere que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica a suspensão do curso da prescrição das obrigações. Claramente se observa distinção entre o dispositivo antigo e o modificado pela Lei nº 14.112/2020[39], visto que o primeiro suprime a limitação expressa do artigo em relação às “obrigações do falido”. De tal forma, antes da modificação, a legislação se via inclinada a sobrestar o fluxo da prescrição de forma genérica, ou seja, generalizar o óbice da suspensão, independentemente de se tratar de obrigação ou não. Claro indicativo de que se tratou de modificação deliberada, com intenção de paralisar o prazo prescricional aquisitivo.[40] Com a modificação legislativa trazendo novamente a delimitação da suspensão em relação às obrigações do falido, a hipótese posta no presente capítulo se traduz como viável novamente, na esteira das interpretações dadas ao artigo 47 do Decreto Lei 7661/45. Seguindo conforme a interpretação exposta, a suspensão supra referida diz respeito apenas a suspensão do curso da prescrição das obrigações. A propriedade está inserida no direito real e não no direito das obrigações. A norma diz respeito de forma clara aos direitos das obrigações (crédito/débito). Assim, a suspensão da prescrição, seja na antiga lei de falências (DL n.º 7.661/45), seja na lei vigente (LF n.º 11.101/2005), diz respeito às obrigações do falido, que não se confundem com a prescrição aquisitiva. A esse respeito, a doutrina de Ricardo Negrão: “A suspensão da prescrição - deixar de correr o prazo já iniciado - alcança, tão somente, as obrigações de responsabilidade do devedor [...]”.[41] Precisamente esse foi o fundamento observado em decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[42]: “Não se aplica ao caso [...], uma vez que a suspensão da prescrição se refere apenas às obrigações de responsabilidade do falido”. No mesmo sentido, decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná na Apelação Cível nº 917.511-7.[43] Justifica assim, também, Benedito Silvério Ribeiro quando refere que o “possuidor ou prescribente não estará com o seu prazo prescricional voltado contra obrigação do falido [...]”. Referido autor compreende que não se suspende a prescrição aquisitiva precisamente em razão da natureza da suspensão do prazo prescricional dos artigos supracitados. Em suma, a aquisição de propriedade pela prescrição aquisitiva não será suspensa por ditame legal que se presta a sujeitar as obrigações dos credores ou de terceiros para com o falido à suspensão. [44] Para reforçar o raciocínio, sabe-se que a recuperação judicial é um instituto que permite ao devedor negociar com seus credores um plano de recuperação com objetivo de sair a crise financeira, ou seja, uma espécie de moratória. Trata-se, portanto, de relação obrigacional, crédito e débito. O artigo 6º da Lei nº 11.101/05 com redação dada pela Lei nº 14.112/20 refere de forma clara que a suspensão da prescrição alcança tanto a falência quanto a recuperação judicial. Aceitando-se que a suspensão da prescrição aquisitiva em relação a massa falida, também haveria de alcançar a recuperação judicial, o que não faria nenhum sentido. Nessa esteira, a doutrina apresentada reconhece a possibilidade de usucapião de imóveis pertencentes à massa falida, sem ocorrência automática da suspensão do prazo da prescrição aquisitiva. Se baseia tal fundamento na diferenciação entre as obrigações do falido e a natureza da prescrição aquisitiva que se afasta da delimitação dos ditames legais atinentes à suspensão. Percebe-se, com efeito, que a doutrina exemplificada possui preocupação com a aparente distinção de natureza entre a prescrição aquisitiva e a prescrição genérica posta na legislação em comento. Manoel Justino Bezerra Filho adota posição alinhada à presente hipótese, inclusive fazendo ressalva à natureza processual dada à suspensão do referido artigo, entendendo que a suspensão se dá em relação ao decurso do prazo do direito de ação (esfera processual), ao passo que o direito material (prescrição aquisitiva para fins de aquisição) não se suspende. [45] Importou ressaltar tal caminho porque o entendimento jurisprudencial paradigmático do REsp 1680357/RJ, chega a ressalvar em suas razões:   A suspensão do curso da prescrição a que alude o art. 47, do DL 7.661/45 cinge-se às obrigações de responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é interrompida na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida objetiva.   Fundamentalmente, quer dizer a eminente Ministra Relatora Nancy Andrighi que, de fato, a prescrição aquisitiva não pode ser suspensa por dispositivo que pretende gerar óbice aos prazos prescricionais das obrigações do devedor. Ora, se o legislador – tanto no Decreto revogado, quanto na Lei 11.101/2005 - se prestou a delimitar a suspensão na figura da prescrição das obrigações do devedor não deveria tal determinação ser desfigurada a fim de atingir a prescrição aquisitiva de pretenso adquirente. Por fim, o referido entendimento, a nosso ver contraditório e equivocado, não abre possibilidade ao curso de prescrição aquisitiva após a decretação de falência. Isso porque consigna a Relatora que o decreto falimentar possui imediato efeito sobre os bens do devedor, revestindo-os para o fim de composição da massa falida objetiva. Assim o faz porque entende pela supremacia do interesse dos credores através da execução concursal. No mesmo sentido: a “suspensão da prescrição aquisitiva veio para garantir e preservar a unitariedade da massa falida e a satisfação dos respectivos credores [...]”.[46] A perspectiva do julgado impõe a paralisação de todas as ações que versem sobre o patrimônio do falido justamente para que se possa resguardar a finalidade da legislação falimentar, sendo, teleologicamente, a realização do ativo a fim de pagar o passivo. Contudo, não faz a devida distinção quanto ao direito das obrigações e o direito real o qual está inserido a propriedade, inclusive a respectiva aquisição em virtude do tempo. Ora, o usucapião é um meio originário de aquisição de propriedade por quem exerce a posse após certo período estipulado por lei, ou seja,  é forma de constituição de direito real.  A atual interpretação do Superior Tribunal de Justiça também desconsidera a proteção da pessoa humana e o direito a moradia, a qual se encontra no ápice da Contituição, valorizando o interesse patrimonial e não social. Sabido é que o direito de propriedade tal qual o direito à moradia encontra previsão constitucional, e são considerados cláusulas pétreas. Dessa forma, os direitos e garantias individuais, estão divididos em dimensões. Logo no grupo de direitos individuais e coletivos com previsão no artigo 5º temos o direito de propriedade. Já no artigo 6º da Constituição Federal estão contemplados os direitos sociais entre eles a moradia. A aplicação da norma merece interpretação profunda quando está em jogo direitos fundamentais. Da mesma forma, não considera que a intepretação extensiva utilizada como método interpretativo, ensejaria da mesma forma a suspensão da aquisição da prescrição aquisitiva em relação a recuperação judicial, instituto totalmente diverso da falência. Portanto, entende-se equivocado o raciocínio e interpretação, que, em suma, aduzem taxativamente que ocorreria suspensão automática do prazo prescricional, enunciada pelo art. 47 do Decreto Lei 7661/45 ou pelo art. 6º, caput da Lei 11.101/2005, visto que ambos se referem apenas aos direitos das obrigações ao qual não está inserido o direito de propriedade pela prescrição aquisitiva. Desse modo, entende-se pela hipótese de reconhecimento de usucapião de bem imóvel da massa falida, inclusive cabendo ao administrador judicial, inclusive ao falido (LRJF, art. 103) praticar atos necessários para que impeça a consumação da prescrição para fins de usucapião.   6. CONSIDERAÇÕES FINAIS   Derradeiramente, ressalta-se que o aparente cisma de entendimentos se resume basicamente em posições distintas. A doutrina que se debruça à favor da supremacia do curso regular da prescrição aquisitiva possui vertentes com óticas fundadas em conceitos distintos, porém convergentes teleologicamente. Tais vertentes, por sua vez, se dividem conforme: i) em interpretação legal, acerca de que, muito embora a decretação da quebra condicione com seus efeitos os credores, o falido e seus bens, não há exercício automático da posse pela massa falida, não podendo haver óbice no curso do prazo da prescrição aquisitiva; ii) a respeito da natureza processual da suspensão oriunda da redação dos artigos 47 do Decreto Lei 7661/45 e artigo 6º da Lei nº 11.101/2005 tão somente dizendo respeito às obrigações do falido, a referência legislativa não se confunde com a prescrição aquisitiva enquanto prazo de natureza material. Por outro lado, a posição jurisprudencial, que se opõe às vertentes apresentadas por parte da doutrina analisada, entende pelo óbice do curso do prazo da prescrição aquisitiva de forma automática a partir da decretação da falência. Esse entendimento, se funda: i) na supremacia do interesse dos credores (massa falida subjetiva); e ii) nos efeitos automáticos desencadeados pela sentença declaratória de falência, entendida como incursão do Estado na esfera individual do falido. Além das posições divergentes analisadas e discorridas, a força motriz da controvérsia e de sua eventual solução parte de dois institutos falimentares: a universalidade e indisponibilidade dos bens. Isso porque todas as derivações lógicas aptas a sanar ou incrementar a controvérsia precisam, em dado momento, levar em consideração a força atrativa do juízo falimentar, que justifica a noção de supremacia do interesse concursal dos credores e suas preferências; e a possibilidade ou impedimento de disposição do bem de titularidade do falido constituir oposição à posse contínua, mansa e pacífica de pretenso adquirente do bem. Cumpre também ressaltar que a controvérsia não aparenta sustentar vindoura pretensão de uniformidade jurisprudencial. Na medida em que a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores se delineiam em sentidos opostos, a força fundante das decisões que entendem pela suspensão do prazo da prescrição aquisitiva se debruça sobre aspectos meramente atinentes ao instituto da falência e da supremacia do interesse conjunto dos credores. Não há discussão jurisprudencial que faça juízo de valor acerca dos ditames basilares do direito real de aquisição de propriedade, como verificação da posse, disposição ante a indisponibilidade do falido e análise ou perfuncção acerca da lei de colisão[47] entre os princípios intrínsecos a cada instituto. Por fim, nos parece claro que a legislação falimentar buscar suspender a prescrição em relação as obrigações (crédito/débito), instituto inserido dentro do direito das obrigações, ao passo que a propriedade pela prescrição aquisitiva está inserido dentro do direito real e aceitar exegese diversa, além de desconsiderar direitos fundamentais, levaria a compreensão da impossibilidade de curso de prescrição aquisitiva na recuperação judicial, o que não faria nenhum sentido.   REFERÊNCIAS   BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp nª 1431538. Rel. Ministro Marco Buzzi. Decisão monocrática. Data de julgamento: 02/04/2019. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/878186795/agravo-em-recurso-especial-aresp-1431538-sp-2019-0012308-8/decisao-monocratica-878186825. Acesso em: 21 de novembro de 2023.   BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.680.357/RJ. Relator: Nancy Andrighi – Terceira Turma, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 de outubro de 2017. Decisão disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201680357. Acesso em 28 de novembro de 2023.   BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1887110/SP 2020/0192931-3. Relator: Ministro Raul Araújo. Decisão Monocrática. Data de Publicação: DJ 02/03/2021. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1385047952/recurso-especial-resp-1887110-sp-2020-0192931-3/decisao-monocratica-1385047963. Acesso em: 21 de novembro de 2023.   CASTRO, Carlos Alberto Farracha. Fundamentos do Direito Falimentar. 2ª Edição. Curitiba: Editora Juruá, 2009.   COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 15ª Edição. São Paulo: Editora Thomson Reuters Brasil, 2021.   FILHO, Manoel Justino Bezerra. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 Comentada artigo por artigo. 16ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022.   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas. Volume 05. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2021.   JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.   LÔBO, Paulo. Direito Civil: Coisas. Volume 04. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019.   MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXVIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.   NEGRÃO, Ricardo. Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2022.   NEGRÃO, Ricardo. 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Comentários à Lei de Recuperação de empresas e Falência. 4ª Edição. São Paulo: SaraivaJur, 2023.   SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de Direito Empresarial. 3ª Edição. São Paulo: Editora SaraivaJur, 2022.   SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.   SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 0022030-84.2004.8.26.0100. Desembargador Miguel Brandi, Sétima Câmara de Direito Privado, Data de julgamento: 10/04/2019. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/697340665/apelacao-civel-ac-220308420048260100-sp-0022030-8420048260100/inteiro-teor-697340688. Acesso em: 21 de novembro de 2023.   SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Recurso de Apelação n. 0059862-29.2019.8.26.0100. Desembargador Relator Francisco Loureiro. Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Data de Julgamento: 14/07/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/07/2021). Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/697340665/apelacao-civel-ac220308420048260100-sp-0022030-8420048260100/inteiro-teor697340688. Acesso em: 28 de novembro de 2023.   TZIRULNIK. Luiz. Recuperação de Empresas e Falência, perguntas e respostas. 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.   [1] SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p.36. [2] LÔBO, Paulo. Direito Civil:Coisas. Volume 04. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019, p. 165. [3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas. Volume 05. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2021, p. 90 [4] SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 48. [5] SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 50. [6] RIBEIRO. Benedito Silvério. Tratado de usucapião. Volume 1. 5ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2007, p. 57. [7] JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 352. [8]NEGRÃO, Ricardo. Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2022, p.46. [9] Art. 22, inciso III, alínea “j” da Lei 11.101/2005. [10] JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 53. [11] JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 51. [12] I JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 54. [13] Art. 83 da Lei nº 11.101/2005. [14] CASTRO, Carlos Alberto Farracha. Fundamentos do Direito Falimentar. 2ª Edição. Curitiba: Editora Juruá, 2009, p. 33. [15] FILHO, Manoel Justino Bezerra. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 Comentada artigo por artigo. 16ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022, p. 34. [16] NEGRÃO, Ricardo. Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2022, p 45. [17] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de Direito Empresarial. 3ª Edição. São Paulo: Editora SaraivaJur, 2022, p. 77. [18] NEGRÃO, Ricardo. Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p 45 [19] JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p.261 a 263. [20] JUNIOR, Ecio Perin. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 4ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p.267. [21]NEGRÃO, Ricardo. Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2022, p 62. [22] Unidade do juízo falimentar, enquanto competente para conhecer das questões, tal como posto no art. 3º da Lei 11.101/2005; prevenção, que previne eventual pretensão de jurisdição a ser exercida por outro juízo em relação à quebra do devedor em questão; e, por fim, indivisibilidade do juízo falimentar, que trata da competência una do juízo falimentar acerca dos negócios, bens e interesses do falido. [23] COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. 15ª Edição. São Paulo: Editora Thomson Reuters, 2021, p. 373. [24] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de Direito Empresarial. 3ª Edição. São Paulo: Editora SaraivaJur, 2022, p. 458 a 459. [25] PORTO, Antônio Augusto Cruz; TORRES, Cibele Merlin. Análise jurídica da usucapião sobre bens da massa falida: a universalidade como pressuposto e a coletividade como critério. Revista Brasileira de Direito Civil – RBD Civil, Belo Horizonte, v. 19, p. 223-246, jan./mar. 2019, p.19. [26] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de empresas e Falência. 4ª Edição. São Paulo: SaraivaJur, 2023, p. 57. [27] COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. 15ª Edição. São Paulo: Editora Thomson Reuters, 2021, p 57. [28] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.680.357/RJ. Relator: Nancy Andrighi – Terceira Turma, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 de outubro de 2017. Decisão disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201680357. Acesso em 21/11/2023. [29] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.680.357/RJ. Relator: Nancy Andrighi – Terceira Turma, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 de outubro de 2017. Decisão disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201680357. Acesso em 28/11/2023 [30] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXVIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 239. [31] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXVIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 239. [32] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXVIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 239. [33] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1.680.357/RJ. Relator: Nancy Andrighi – Terceira Turma, Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 5 de outubro de 2017. Decisão disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201680357. Acesso em 21/11/2023 [34] “USUCAPIÃO ESPECIAL - Procedência - Falência da anterior proprietária do imóvel, seguida da arrecadação e arrematação do imóvel pelo contestante - Insurgência do contestante/arrematante - Alegação de que a ação foi ajuizada quando a falida não tinha mais o domínio sobre os bens, inclusive sobre o imóvel objeto da ação- Arguição de que a decretação da falência suspende o curso do prazo da prescrição aquisitiva - Cabimento - Provas coligidas demonstram que os autores passaram a exercer a posse do bem em 1991, após a decretação da falência da antiga proprietária do imóvel, em 1985, fato que era de conhecimento deles - Bem arrecadado na falência que não é suscetível de proteção possessória e de usucapião - Entendimento que vem se formando nesta Corte e no STJ - Improcedência da ação que é medida de rigor - Sentença reformada -RECURSO PROVIDO, com inversão dos ônus da sucumbência.” (TJSP, 7ª. Câmara de Direito Privado, AC 0022030-84.2004.8.26.0100, Rel. Des. Miguel Brandi, j. 10/04/2019). [35] “Com efeito, o entendimento manifestado pela Corte de origem encontra-se em conformidade com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, que, quanto ao tema, compreende que o curso do prazo da prescrição aquisitiva do bem imóvel - usucapião – é interrompido com o início da liquidação extrajudicial, posto que o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica.” (STJ - REsp: 1887110 SP 2020/0192931-3, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Publicação: DJ 02/03/2021). [36] “A sentença declaratória de falência inaugura a massa falida subjetiva, com a formação da massa de credores (corpus creditorum) que, no decurso do processo falimentar, concorrerá na realização do ativo para satisfação de seus créditos. Simultaneamente, forma-se a massa objetiva, ou seja, a afetação do patrimônio do falido como um todo, e não os bens singulares separadamente. Ficam excluídos, por força da lei, os bens absolutamente impenhoráveis, os bens dotais e os bens particulares. Nessa linha de compreensão, é absolutamente relevante compreender que a sentença declaratória da falência produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal”. (AREsp 1431538, Rel. Ministro MARCO BUZZI, j. 02/04/2019). [37] FILHO, Manoel Justino Bezerra. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 Comentada artigo por artigo. 1ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 68. [38] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Recurso de Apelação n. 0059862-29.2019.8.26.0100. Desembargador Relator Francisco Loureiro. Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Data de Julgamento: 14/07/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/07/2021). Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1248333028/apelacao-civel-ac-598622920198260100-sp-0059862-2920198260100. Acesso em 28/11/2023 [39] “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei”. [40] PORTO, Antônio Augusto Cruz; TORRES, Cibele Merlin. Análise jurídica da usucapião sobre bens da massa falida: a universalidade como pressuposto e a coletividade como critério. Revista Brasileira de Direito Civil – RBD Civil, Belo Horizonte, v. 19, p. 223-246, jan./mar. 2019, p. 16. [41] NEGRÃO, Ricardo. Aspectos Objetivos da Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p.46. [42] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível, Nº 70044802361, Vigésima Câmara Cível. Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em: 09-11-2011. [43] “Ocorre que, a suspensão da prescrição à que se refere o artigo [6º da Lei 11.105/05] diz respeito apenas aos direitos e ações dos credores contra a massa e o falido, não atingindo os direitos e as obrigações de terceiros para com a massa falida. A instauração do processo de falência, por si só não inibe a prescrição aquisitiva. Deve ser considerado que a suspensão da prescrição, quer na antiga lei de falências (DL n.º 7.661/45), quer na lei de recuperação (LF n.º 11.101/2005), diz respeito às obrigações do falido, que não se confundem com a prescrição aquisitiva.” (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Apelação Cível nº 917.511-7, j. em 30/01/2013). [44] RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. São Paulo, 2007, p. 101. [45] FILHO, Manoel Justino Bezerra. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 Comentada artigo por artigo. 1ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 68. [46] PORTO, Antônio Augusto Cruz; TORRES, Cibele Merlin. Análise jurídica da usucapião sobre bens da massa falida: a universalidade como pressuposto e a coletividade como critério. Revista Brasileira de Direito Civil – RBD Civil, Belo Horizonte, v. 19, p. 223-246, jan./mar. 2019, p. 240. [47] Análise do embate principiológico conforme a teoria de Robert Alexy.

    - (14/06/2024)

  •   BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ITR

      BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ITR   Clóvis Fedrizzi Rodrigues Doutorando em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Mestre em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Pós-Graduado em Direito Processual Civil Pós-Graduando em Direito Tributário pela UFRGS Advogado Área do Direito: Tributário Resumo:             O presente trabalho realiza um breve estudo sobre o Imposto Territorial Rural – ITR, diante da existência de dois problemas, quais sejam: o critério do fato gerador (topográfico ou destinação), bem como o conflito entre o art. 153, inciso VI da Constituição Federal e art. 29 e art. 31 do Código Tributário Nacional e art. 1º da Lei nº 9.393/96, quanto ao fato gerador (posse, domínio útil). Apresenta-se num primeiro momento um breve histórico, uma análise do aspecto do elemento compositor da regra-matriz. Posteriormente, para uma compreensão dos problemas, aprofunda-se um pouco o estudo do critério do fato gerador, conceitos de propriedade, posse e domínio útil. Abstract:             This paper makes a brief study on the Rural Land Tax - RLT, given the existence of two problems, namely: the criterion of the triggering event (topographic or destination), as well as the conflict between art. 153, section VI of the Federal Constitution and art. 29 and art. 31 of the Internal Revenue Code and art. 1 of Law No. 9.393/96, as the triggering event (possession, useful domain). It is presented at first a brief history, an analysis of the aspect of the rule-songwriter element array. . Thereafter, for an understanding of the problems, deepens a little study of the triggering event criteria, concepts of ownership, possession and useful domain. Palavras-chave: Imposto Territorial Rural - ITR – Fato Gerador – Propriedade – Critério - Destinação. Keywords: Rural Land Tax - RLT - Fact Generator - Property - Criterion - Allocation. Sumário: 1. Introdução – 2. Breve histórico - 3. Aspecto da regra-matriz - 4. Isenção e imunidades - 5. Critério do Fato Gerador - 6. Conflito entre a Constituição Federal e Código Tributário Nacional quanto ao fato gerador – 7. Considerações finais – 8. Referências bibliográficas. 1. Introdução             O Sistema Tributário Nacional fluente da Constituição Federal inclui, entre os princípios gerais da tributação, o de observância do disposto na "lei complementar". Disse o constituinte que "cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários" (art. 146, III, b, da CF)[1]. No caso do Imposto Territorial Rural – ITR, o constituinte estabeleceu como fato gerador a “propriedade”. Entretanto, o Código Tributário Nacional alargou o conteúdo da incidência da obrigação tributaria para “posse” e “domínio útil”.  Entendemos, contudo, que a incidência tributária do imposto materializa-se a partir da verificação, em concreto, do exercício da propriedade e não sobre o domínio útil ou da posse  como quer o art. 29 e 31 do Código Tributário Nacional reproduzido pelo art. 1º da Lei nº 9.393/96.             Além disso, o Código Tributário Nacional (art. 29 e art. 31) para fins de lançamento de imposto territorial utilizou-se do critério da localização, de feição clássica, considerando que o imóvel será urbano ou rural de acordo com a sua situação, dentro ou fora do perímetro urbano definido pela lei administrativa municipal.             Modernamente, todavia, o elemento diferenciador indicado pela jurisprudência, até mesmo pelo legislador, é o da destinação econômica do imóvel, não se considerando a localização como fator decisivo, ainda que seja levada em conta para fins fiscais.             Muitos proprietários que possuem terras no entorno das cidades se depararam com este problema. Eles são surpreendidos com a cobrança do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana), nas quais mantêm suas atividades agrícolas ou pastoris. Há casos até de cobrança simultânea dos dois impostos: o IPTU e o ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural). 2. Breve histórico             Atualmente o Imposto Territorial Rural - ITR não representa expressiva arrecadação como já ocorreu no inicio do século XX, muito embora o Brasil tenha dimensões continentais. Essa inoperância atual decorre principalmente dos aspectos políticos que influenciaram a legislação atual.             Embora se tenha notícias de interesse na criação de imposto sobre a terra ainda na época do Império, nenhum  projeto legislativo vingou nessa época. Em 1879 chegou vigorar por pouco tempo a cobrança de um imposto de 5% sobre as propriedades urbanas e rurais. Entretanto, somente pela Constituição de 1891, houve previsão de competência estadual para a cobrança. As Constituições de 1934, 1937 e 1946 mantiveram a responsabilidade dos Estados pela cobrança e administração do imposto rural. Em 1961 a Emenda Constitucional nº 5 transferiu a competência tributária aos municípios. No entanto, três anos depois com o Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, a competência para arrecadar e administrar o tributo passou para a União, com previsão de extrafiscalidade do imposto para auxiliar nas políticas públicas de desconcentração da terra atribuindo-a a função social.             O Código Tributário Nacional, de 25 de outubro de 1966, considerada lei complementar, valeu-se em seus artigos 29 e 31 do critério topográfico para delimitar o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR): se o imóvel estivesse situado na zona urbana, incidiria o IPTU; se na zona rural, incidiria o ITR.             O Decreto-lei nº 57 de 18 de novembro de 1966 alterou esse critério, estabelecendo estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis situados na zona rural quando utilizados em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. A jurisprudência reconheceu validade ao DL nº 57/66, o qual, assim como o Código Tributário Nacional, pela teoria da recepção do ordenamento pré-constitucional (quando do advento da Constituição da República) passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente Constituição de 1967. A Constituição Federal de 1988 institui o ITR no  art. 153, VI, § 4º de modo a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, afastando a incidência sobre pequenas glebas rurais. A Lei nº 8.022, de 12 de abril de 1990, as atividades relativas ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR foram transferidas para o então Departamento da Receita Federal e ratificadas as atribuições do INCRA em manter os cadastros das áreas rurais, muito embora a Receita Federal também tenha atualizado o cadastro o qual serve de base para o lançamento do ITR. A Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, abriu a possibilidade da celebração de convênios entre a Secretaria da Receita Federal, o INCRA, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI e as Secretarias Estaduais de Agricultura, para as atividades de fiscalização sobre as informações prestadas pelo contribuinte no Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR – DIAC e no Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT, que compõem a Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – DITR. A Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001,  criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais – CNIR, para unificar as informações da Secretaria da Receita Federal e do INCRA. Atualmente, o diploma legal que rege a cobrança do ITR é a Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996 e o Decreto nº 4.382, de 19 de dezembro de 2002, que a regulamenta. A Lei traz consigo todo o referencial tributário do ITR, inclusive a tabela de alíquotas aplicada sobre o Valor da Terra Nua Tributável - VTNt, considerados a área total do imóvel e o Grau de Utilização - GU. E, na hipótese de inexistir área aproveitável depois de efetuadas as exclusões previstas na Lei serão aplicadas as alíquotas correspondentes aos imóveis com grau de utilização superior a 80% (oitenta por cento), observada a área total do imóvel, estabelecendo que em nenhuma hipótese o valor do imposto devido seja inferior a R$ 10,00 (dez reais). A Lei 11.250, de 27 de dezembro de 2005, regulamentando o  art. 153, VI, § 4º,  da Constituição Federal com redação alterada pela Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro de 2003,  previu  a celebração de convênios entre a União e o Distrito Federal ou os Municípios que assim optarem, no intuito de delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos tributários, e de cobrança do ITR ou do contrário, permanecerem com a parte que lhes cabe na repartição da receita do ITR, 50% conforme  art. 158 da CF. 3. Aspecto da regra-matriz O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR é previsto no inciso VI do artigo 153 da Constituição Federal de apuração anual em 1º de janeiro de cada ano, tem como fato gerador a propriedade e, conforme artigo 29 e artigo 31 do Código Tributário Nacional, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, Considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais parcelas de terras, localizada na zona rural do município. A legislação que rege o ITR é a Lei nº 9.393/1996 e alterações subsequentes. O sujeito passivo é o proprietário de imóvel rural, o titular de seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título (art. 29 e art. 31 do CTN e art. 1º da Lei nº 9.393/96). O domicílio tributário do contribuinte é o município de localização do imóvel, vedada a eleição de qualquer outro. Trata-se de imposto de lançamento por homologação,  o qual o contribuinte possui a obrigação acessória de prestar informação correspondente ao imóvel (DIAC), bem como entregar, em cada ano, o Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT. Para apuração do valor do ITR, a Lei nº 9.393/96, em seu art. 11, preceitua: “ art. 11 – O valor do imposto será apurado aplicando-se sobre o Valor da Terra Nua Tributável (VTNt) a alíquota correspondente, prevista no Anexo desta Lei, considerados a área total do imóvel e o Grau de Utilização (GU).§ 1º – Na hipótese de inexistir área aproveitável após efetuadas as exclusões previstas no art. 10, § 1º, inciso IV, serão aplicadas as alíquotas, correspondentes aos imóveis com grau de utilização superior a 80% (oitenta por cento), observada a área total do imóvel.§ 2º – Em nenhuma hipótese o valor do imposto devido será inferior a R$ 10,00 (dez reais).” A Emenda Constitucional n° 42 trouxe expressa previsão da possibilidade de fiscalização e cobrança pelos Municípios do ITR. Para regulamentar tais disposições constitucionais houve a edição da Lei n° 11.250, em 2005, dispondo no seu art. 1° que “a União, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, para fins do disposto no inciso III do § 4° do art. 153 da Constituição Federal, poderá celebrar convênios com o Distrito Federal e os Municípios que assim optarem, visando a  delegar as atribuições de fiscalização, inclusive a de lançamento dos créditos tributários, e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, de que trata o  inciso VI do art. 153 da Constituição Federal, sem prejuízo da competência supletiva da Secretaria da Receita Federal”. Assim, os Municípios que decidirem pela cobrança assumirá a arrecadação e todas as funções, inclusive a de realização de lançamento. Por outro lado, transferidas as funções administrativas aos Municípios, toda a capacidade legislativa permanecerá naturalmente com a União. O exercício das atividades administrativas  pela municipalidade não autoriza qualquer disciplina da matéria legal para o tributo. Isso porque a função administrativa não se confunde com a regra da competência tributária definida constitucionalmente.[2] Em resumo: podemos definir os seguintes aspectos da regra-matriz de incidência:            Aspecto pessoal – sujeito ativo: União (CF, art. 153, VI); sujeito passivo: o proprietário, com inclusão do detentor do domínio útil e o possuidor (CTN art. 29 e art. 31). Aspecto espacial: território nacional (CF/88, art. 153, VI). Aspecto temporal: modelo estabelecido em lei (1º jan. – Lei nº 9.393/96). Aspecto material: ser proprietário de imóvel rural (CF, art. 153, VI). Aspecto quantitativo: base de cálculo: valor da terra nua (declarado pelo contribuinte); alíquota: percentual diferenciado (CF, 153, § 4º, da CF/88).   4. Isenção e Imunidades São imunes do ITR, desde que atendidos os requisitos constitucionais e legais: I - a pequena gleba rural; II - os imóveis rurais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III - os imóveis rurais de Autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; IV - os imóveis rurais de instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos (inciso I do §4º do art. 153 e definição art. 2º da Lei nº 9.393/96). São isentos do ITR: I - o imóvel rural compreendido em programa oficial de reforma agrária, caracterizado pelas autoridades competentes como assentamento, que, cumulativamente, atenda aos seguintes requisitos: a) seja explorado por associação ou cooperativa de produção; b) a fração ideal por família assentada não ultrapasse os limites estabelecidos no artigo anterior; c) o assentado não possua outro imóvel; II - o conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário, cuja área total observe os limites fixados no parágrafo único do artigo anterior, desde que, cumulativamente, o proprietário: a) o explore só ou com sua família, admitida ajuda eventual de terceiros; b) não possua imóvel urbano (art. 3º da Lei nº 9.393/96).             O ITR não incide sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel. Pequenas glebas rurais são os imóveis com área igual ou inferior a: I - 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense; II - 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental; III - 30 ha, se localizado em qualquer outro município (art. 2º da Lei nº 9.393/96). É mister tecer algumas considerações a respeito do instituto da isenção, bem como diferenciá-la da imunidade tributária. Imunidade, como se sabe, é uma limitação ao poder de tributar. Ela atua exclusivamente no campo de definição de competência tributária, ao contrário da isenção, que atua no campo do exercício da competência tributária.[3] Conforme o escólio de Hugo de Britto Machado, imunidade é a exclusão da hipótese de incidência tributária constitucionalmente qualificada, enquanto isenção é a exclusão da hipótese de incidência tributária infraconstitucionalmente qualificada. As duas modalidades diferem da não incidência tributária, a qual se configura “em face da própria norma de tributação, sendo objeto da não incidência todos os fatos que não estão abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência”[4] A isenção é uma hipótese de não incidência tributária legalmente prevista. É, portanto, a limitação legal da tributação, ou seja, define-se como dispensa legal do tributo.[5] Embora a divergência em sede doutrinária, Rubens Gomes de Souza e Rui Barbosa Nogueira, adotamos a posição de Roque Carraza. [6] 5. Critério do fato gerador O Código Tributário Nacional, ao dispor acerca do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, definiu sua hipótese de incidência nos seguintes termos: “Art. 32 – O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município." Após a promulgação do CTN, ocorrida em 25 de outubro de 1966, foi editado o Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, dispondo, entre outros temas, acerca do lançamento e da cobrança do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. Em seu art. 15 trouxe importante regra para fins de delimitação da incidência desse tributo em face do IPTU: “Art. 15 – O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrado." Posteriormente, tratou da matéria o art. 6º e parágrafo único da Lei nº 5.868/1972 nos seguintes termos: “Art. 6º – Para fim de incidência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, a que se refere o art. 29 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, considera-se imóvel rural aquele que se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial e que, independentemente de sua localização, tiver área superior a 1 (um) hectare. Parágrafo único – Os imóveis que não se enquadrem no disposto neste artigo, independentemente de sua localização, estão sujeitos ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, a que se refere o art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966." Tal norma, entretanto, é inaplicável ante a declaração de sua inconstitucionalidade formal pelo STF (RE nº 93.850-8/MG, Plenário, Min. Moreira Alves, DJ de 27.08.1982) e a posterior suspensão de sua execução por meio da Resolução 313/1983 do Senado Federal. Finalmente, sobrevieram as Leis nºs 8.847/1994 e 9.393/1996, as quais dispuseram acerca do ITR. A última revogou a primeira quase integralmente e assim estabeleceu no seu art. 1º: “O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano." Com efeito, vem entendendo a jurisprudência do STF que o Decreto-lei nº 57/1966 foi recepcionado pela Constituição de 1967 com status de lei complementar, antes mesmo da entrada em vigor do CTN, em 1º de janeiro de 1967. Portanto, o Decreto-lei nº 57/66, recebido pela Constituição de 1967 como lei complementar, por versar normas gerais de direito tributário, particularmente sobre o ITR, abrandou o princípio da localização do imóvel, consolidando a prevalência do critério da destinação econômica. O referido diploma legal permanece em vigor, sobretudo porque, alçado à condição de lei complementar, não poderia ser atingido pela revogação prescrita na forma do art. 12 da Lei nº 5.868/1972. Diante disso, o ITR não incide somente sobre os imóveis localizados na zona rural do município, mas também sobre aqueles que, situados na área urbana, são comprovadamente utilizados em exploração extrativa, vegetal, pecuária ou agroindustrial.[7] 6. Conflito entre a Constituição Federal e Código Tributário Nacional quanto ao fato gerador A Constituição Federal, no art. 153 inciso VI, frisou que o sujeito passivo da cobrança do ITR, é imprescindível que detenha a propriedade. Por sua vez, o art. 29 e art. 31 do CTN previu como geradores da obrigação, além da propriedade, o domínio útil ou a posse. A Lei 9.393/96 em seu art. 1º incorreu no mesmo vício. Entretanto, a lei complementar não tem a prerrogativa de buscar, nela própria, seu fundamento de validade. Muito pelo contrário, ela só poderá irradiar efeitos se e enquanto estiver dentro da pirâmide jurídica, em cuja cúspide situam-se as normas constitucionais. Sendo assim, vemos, com facilidade, que a lei complementar prevista no art. 146 da CF só pode reforçar o perfil constitucional de cada tributo, desenhando-o mais em detalhe e circunscrevendo seus exatos contornos, tudo para que, na prática, não surjam conflitos de competência tributária entre as pessoas políticas.[8] Assim, a lei complementar que vier a cuidar da base de cálculo só poderá desnudar o que está implícito, a respeito, no Texto Constitucional. Não inovar, mas, apenas, declarar. Em razão de seu caráter declaratório, apenas pode tornar mais clara a base de cálculo possível dos impostos. A questão, portanto, é dimensionar o alcance da expressão “normas gerais de direito tributário”. Comungamos, nesse passo, com o pensamento do Professor Paulo de Barros Carvalho, para quem normas gerais de direito tributário são "aquelas que dispõem sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes e também as que regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar”[9]. Nessa linha, apesar de o CTN, em seus artigos 29 e 31, incluir domínio útil ou a posse, não é qualquer posse que autoriza a exigência, do seu titular, do imposto: apenas aquelas hipóteses em que o possuidor ou titular do domínio útil forem proprietário. Não há sentido em tributar-se a mera posse, salvo quando esta é exercida como se autêntica propriedade fosse, isto é, naquelas hipóteses, muito comuns no Brasil, ainda que, de modo especial, nas áreas rurais, em que o possuidor do bem se julga o seu efetivo senhor e, de fato, o é, apenas não detendo o necessário título de domínio. Por outro lado, nos casos de desdobramento da posse, v.g., locação, comodato, depósito, penhor, etc., revela-se, inteiramente, descabida a exigência do imposto do possuidor direto do bem.[10] Propriedade, posse e domínio útil, não se confundem. O art. 110 do CTN impede o deturpamento, pela lei tributária, de institutos e conceitos oriundos de outros ramos do Direito e das demais ciências em geral. Impossibilidade de alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos consagrados, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. O direito de propriedade é, a rigor, um feixe de direitos. Aparentemente uno na sua exteriorização, expressa-se de várias formas, a partir das quais se compõem seus  elementos,  como  bem  anota  Pontes  de  Miranda. [11] O conceito de propriedade, e isso é claramente pronunciado no que toca à propriedade rural, vem naturalmente sofrendo gradativas alterações de conteúdo, inobstante a letra do Código Civil. Entretanto, o próprio Código Civil: a quem seja considerado proprietário são atribuídos o direito de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reavê-la de quem injustamente a possua.[12] Na doutrina brasileira, reconhece-se que posse e propriedade são dois conceitos paralelos, e mais: podendo ou não coincidir com o domínio.[13] Domínio útil, por seu turno, é o nome dado pelo Código Civil ao conjunto de atributos conferidos ao titular de enfiteuse, aforamento ou emprazamento, direito real em favor de terceiro, não proprietário do bem, que lhe permite agir quase como se o fosse. Finalmente, a posse é uma situação essencialmente fática, que consiste no comportamento, por parte de alguém, pessoa física, jurídica ou a esta equiparada, como se fosse proprietário de um determinado bem, sendo-o ou não. É o que se depreende do art. 485 do Código Civil[14] vigente à época do CTN, de nítida inspiração na teoria objetivista da posse preconizada por Jhering, conforme reconhecimento unânime da doutrina pátria[15], e que a conceitua, ainda que de forma oblíqua, como o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio.             Na linha de impossibilidade de incidência do ITR sobre posse ou domínio útil Leandro Paulsen: “Tendo em conta que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados pela Constituição para definir competência tributária (art. 110 do CTN), certo é que a base econômica prevista no inciso VI do art. 153 tem de ser considerada tendo por base o conceito de propriedade que constava no art. 524 do Código Civil de 1916 e que já era tradicional no nosso direito, mantendo-se com o código de 2002, de maneira que o exercício da competência tributária, ou seja, a instituição do ITR, deve ater-se à tributação de propriedade tal como definida. Não se pode equiparar propriedade a qualquer outro direito real.” Mais adiante continua: “Assim, inobstante toda a prática em sentido contrário e mesmo a  letra do art. 29 CTN, tenho que o legislador só pode indicar como contribuinte o proprietário, e não titular de outros direitos reais menos densos e que não revelam riqueza na condição de proprietário, ainda que seus titulares exerçam prerrogativas típicas do proprietário, eis que sempre serão prerrogativas parciais ou temporárias, como a superfície, as servidões, o usufruto, o uso e o direito do promitente comprador”. E conclui: “os titulares de outros direitos reais que não a propriedade não podem ser postos na condição de contribuinte pelo legislador quando da instituição do ITR. Isso porque eles não revelam a riqueza de proprietário. Poderá o legislador, entretanto, nas hipóteses em que viabilize a substituição tributária, ou seja, em que haja a possibilidade de obrigar ao pagamento sem assunção do ônus econômicos, colocá-los na condição de responsáveis tributários por substituição, trazendo-os, assim, para o polo passivo da relação tributária e fazendo com que a obrigação surja diretamente para eles.”[16]             Entendemos, portanto, que o fato gerador do  tributo  é a propriedade e não a posse ou qualquer outra espécie de direito real Assim,  para  que se  estabeleça  a relação jurídico-tributária  é  necessário que se  verifiquem todos  os  aspectos  ou  elementos  objetivos  ou subjetivos  que  a lei expressamente demanda. Ou seja, o fato descrito na hipótese de incidência tributária deve  ser  realizado  na  hipótese  em  tela,  sobretudo  o  elemento  material  essencial  à ocorrência do fato gerador do ITR: a propriedade em sua plenitude. [17] 7. Considerações finais O Imposto Territorial Rural não cumpre o seu papel de extrafiscalidade representando desinteresse dos entes políticos. O repasse da arrecadação aos municípios trazida pela EC 42/03 desde o início estava fadada ao insucesso, pois notórios os problemas que as municipalidades brasileiras enfrentam, principalmente as de pequeno porte, que em sua grande maioria simplesmente não conseguem implementar uma tributação de forma efetiva e rentável, ficando dependentes dos repasses da União e Estado-membro. O Decreto-lei nº 57/66 estabeleceu estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis situados na zona rural ou urbana quando utilizados em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. A jurisprudência reconheceu sua validade, o qual, assim como o CTN, passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente Constituição de 1967. Assim, o critério topográfico previsto no art. 32 do CTN deve ser analisado em face do comando do art. 15 do DL nº 57/66, de modo que não incide o IPTU quando o imóvel situado na zona urbana receber destinação de atividade rural. A lei complementar não pode extrapolar os limites da constituição. Como o próprio nome está a dizer, tem função de complementar e não instituir novos tributos sobre fatos geradores diversos ao que previsto constitucionalmente. Assim o contribuinte do Imposto Territorial Rural – ITR é o proprietário e não titular de outro direito. 8. Referências bibliográficas. ALEXANDRE, Ricardo Alexandre. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009.   CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.   CARVALHO, Paulo de Barros. Imunidades condicionadas e suspensão de imunidades: Análise dos requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional impostos às instituições de educação sem fins lucrativos. Júris Síntese nº 92 Nov/Dez 2011.   DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 4. 8. ed. São Paulo : Saraiva, 1993.   LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil, vol. 6, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996.   MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. col. I. São Paulo: Atlas, 2003.   MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.   MARTINS, Ives de Granda da Silva. Imunidades tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.   MESSA, Ana Flávia. Direito tributário e financeiro. 4ª Ed, São Paulo: Redieel, 2010.   MIRANDA, Pontes. Tratado  de  direito  privado. Campinas, Bookseller, 2001.   MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v.3. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.   MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012.   PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. Atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.   _____, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.   PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v.4. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.   RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v.5. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 1995.   WALD,  Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. v.III. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.     [1] Não é o objeto do estudo, entretanto, não desconhecemos a divergências entre os doutrinadores, relativamente às funções da lei complementar que deu origem ainda na vigência da Constituição de 1967 a duas correntes, denominadas “dicotômica” e “tricotômica”. Esclarece Paulo de Barros Carvalho: “A corrente dicotômica ganha força, portanto, quando questionado o conteúdo das “normas gerais de direito tributário”, relacionadas pela corrente tricotômica como algo diverso das duas outras funções da lei complementar. Para a primeira (dicotômica), a resposta é imediata: são aquelas que dispõem sobre conflitos de competência entre as entidades tributantes e também as que regulam as limitações constitucionais ao poder de tributar. A corrente tricotômica, por sua vez, não logrou dizer os limites demarcatórios do indigitado conceito, pois, sendo a Constituição “exaustiva”, não deixara espaço à atuação do legislador infraconstitucional.” CARVALHO, Paulo de Barros. Imunidades condicionadas e suspensão de imunidades: Análise dos requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional impostos às instituições de educação sem fins lucrativos. Júris Síntese nº 92 Nov/Dez 2011.   [2] Segundo Lendro Paulsen: “Trata-se de inovação trazida pela EC 42/03 que não chega a alterar a competência da União para instituição do ITR”. PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. Atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 256. [3] “As regras constitucionais que proíbem a tributação de determinadas pessoas ou bases econômicas, relativamente a tributos específicos, negando, portanto, competência tributária, são chamadas de imunidade tributárias. É importante considerar que, embora haja a referência, no texto constitucional, à isenção ou a não incidência, em essência constituem normas negativas de competência. Isso porque a isenção é benefício fiscal que pressupõe a existência de competência tributária e a própria incidência, exigindo do ente tributante outra lei que afaste a cobrança do tributo relativamente ao contribuinte ou operação beneficiada. A não incidência por sua vez, é simples consequência do fato de determinada situação não se enquadrar na hipótese de incidência (também chamada regra matriz de incidência tributaria). Elevadas as normas constitucionais, proibitivas de tributação de ser simples isenções ou não incidência, assumindo verdadeiro caráter de imunidade.” (PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 p.56) Na conceituação de Ana Flávia Messa: “ A imunidade é um obstáculo estabelecido pelo legislador constituinte, pois limita a competência tributária, na medida que me impede a incidência da norma impositiva de tributação, aplicável aos impostos. (Direito tributário e financeiro, 4ª Ed, São Paulo: Redieel, 2010, p. 140. Para Ives de Granda da Silva Martins a imunidade tributária é impedimento constitucional absoluto. MARTINS, Ives de Granda da Silva. Imunidades tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. Já Hugo de Brito Machado: “imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação de competência”. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.190. [4]  MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 251. [5]MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.927 [6] MESSA, Ana Flávia. Direito tributário e financeiro. 4ª Ed, São Paulo: Redieel, 2010, p.263 [7] Nesse sentido: IPTU – IMÓVEL EM ÁREA URBANA – DESTINAÇÃO RURAL – NÃO INCIDÊNCIA – "Tributário. Imóvel na área urbana. Destinação rural. IPTU. Não incidência. Art. 15 do DL 57/1966. Recurso repetitivo. Art. 543-C do CPC. 1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966). 2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/2008 do STJ." (STJ – REsp 1.112.646/SP – (2009/0051088-6) – 1ª S. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 28.08.2009). [8] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. Atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 114 [9]CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 208. [10] Hugo de Brito Machado não vislumbra inconstitucionalidade. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. col. I. São Paulo: Atlas, 2003, p. 349. [11] . “Elementos  do  domínio.  São  elementos  componentes  do  domínio: a) o direito  de ter  e possuir  a coisa (tença e direito de posse), sendo pertinente  a  distinção  entre  a  pretensão  à  posse,  que  tem  o  proprietário,  ius possidendi,  e  a  pretensão  à  posse  em  si,  o  ius  possessionis do  possuidor (Código Civil arts. 485-523); b) o direito  de usar a coisa, ius utendi,  que é, por exemplo, o de quem mora na própria casa; c) o  direito  de  fruir  da  coisa, ius fruendi,  que dá as pretensões aos frutos, rendimentos e produtos; d) o  direito de  dispor  da  coisa, o ius  abutendi,  em sua materialidade (transformar a coisa para  cultivo,  reconstrução,  ou  readaptação;  demolir,  soterrar,  desnaturar, destruir),  ou  em  sua  juridicidade  (imediata,  –  alienação,  ou  gravação,  ou limitação  de  poder;  ou  mediata  –  renúncia  derrelicção);  e)  o direito  à substância  do  direito  de  domínio, à nudas  proprietas , tal como fica ao dono da coisa quando a outrem cabe, por ato do dono atual, ou de dono anterior, o usufruto”. MIRANDA, Pontes. Tratado  de  direito  privado. Campinas, Bookseller, 2001, p. 62. [12] O Código Civil, em seu art. 1.228 estabelece: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". [13] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil, vol. 6, 6ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 98. [14] [14] O Código Civil de 2002 manteve a mesma redação: Art. 1196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. [15]  WALD,  Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro. v.III. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 59; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v.4. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 18 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. v. 4. 8. ed. São Paulo : Saraiva, 1993, p. 32-33; RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v.5. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 20; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v.3. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 19. [16]  PAULSEN, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 289. [17] O STJ não promulga do mesmo entendimento: “Assim, entendo que se até o possuidor a qualquer título é contribuinte do ITR, correto  o  acórdão  recorrido  que  desconsiderou  a  necessidade  de  registro  da  escritura  que comprova a alienação do imóvel”. (REsp 354176 / SP, 2ª Turma,  ELIANA CALMON, DJ 10/03/2003 p. 152, RTFP vol. 52 p. 299.  Na mesma linha. ALEXANDRE, Ricardo Alexandre. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 557.  

  •   A INCONSTITUCIONALIDADE DA MULTA TRIBUTÁRIA NA LEI DE FALÊNCIAS

    A INCONSTITUCIONALIDADE DA MULTA TRIBUTÁRIA NA LEI DE FALÊNCIAS     Clóvis Fedrizzi Rodrigues Pós-Graduado em Direito Tributário pela UFRGS Doutorando em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Mestre em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Pós-Graduado em Direito Processual Civil Advogado     ÁREA DO DIREITO: TRIBUTÁRIO   RESUMO: O presente trabalho analisará a constitucionalidade da exigência de multa tributária e sua classificação como subordinada instituída pela nova Lei de Falências (artigo 83), demonstrando a inconstitucionalidade do novo dispositivo, bem assim a necessidade de interpretação conforme a Constituição.  Antes, porém, se realizará considerações sobre a falência, adentrando-se no crédito tributário e responsabilidade dos sócios.  Posteriormente, o estudo analisa a natureza da multa tributária para demonstrar que as decisões do Supremo Tribunal Federal que deram origem as Súmulas 192 e 565, ainda tem aplicabilidade, o que enseja a necessidade de afastar a exigência da multa tributária no processo falimentar ou se fazer uma interpretação conforme.   PALAVRAS-CHAVE: Multa tributária, pena, falência, inconstitucionalidade, interpretação conforme.   ABSTRACT: This paper will examine the constitutionality of tax and fine classification as established by subordinate new Bankruptcy Law (Article 83), demonstrating the unconstitutionality of the new device, as well as the need for interpretation conforms to the Constitution. First, however, there will be considerations about bankruptcy, entering into the tax credit and liability of partners. Subsequently, the study analyzes the nature of penalty tax to demonstrate that the decisions of the Supreme Court precedents that led the 192 and 565 still has applicability, which entails the necessity of removing the requirement of the penalty tax in bankruptcy proceedings or make a consistent interpretation.   KEYWORDS: Penalty tax, penalty, bankruptcy, unconstitutionality, consistent interpretation.   SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Considerações sobre o instituto da falência - 3. Classificação do crédito tributário - 4. Crédito relativo aos juros - 5. Multa como crédito preferencial aos juros e crédito tributário - 6. Responsabilidade pessoal do sócio - 7. Multa tributária - 8. Responsabilidade pelo pagamento da multa tributária - 9. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal - 10. A intranscendência das penalidades - 11. Conclusão - 12. Bibliografia   1. INTRODUÇÃO   A Nova Lei de Falências - Recuperação Judicial e Extrajudicial - alterou as disposições concernentes ao processo de falência do empresário e da sociedade empresária, bem como extinguiu o procedimento de concordata judicial, passando a instituir a recuperação extrajudicial e a judicial, modificando ainda a classificação do crédito tributário. Junto com a reclassificação do crédito tributário veio à possibilidade de o Fisco exigir a multa tributária conforme inciso VII do art. 83 da Lei nº 11.101/05, inclusive preferencialmente ao crédito dos sócios e administradores, nos termos do art. 83, inciso VIII da Lei nº 11.101/05 c/c parágrafo único, inciso III do art. 186 do CTN, com redação dada pela LC nº 118/05.   Em pesquisas sobre o tema, não encontramos na jurisprudência e na doutrina questionamentos da inconstitucionalidade do novo preceito legal. Ao contrário, conquanto as decisões judiciais afastem a multa tributária nas falências sobre o regime da antiga lei falimentar (DL nº 7.661/45), o entendimento é unânime no sentido reconhecer a exigibilidade da multa tributária, se decretada à quebra quando em vigor a nova legislação falimentar (Lei nº 11.101/05). Essa conformação sobre o tema nos traz em mente a frase de Calamandrei: “Homem do seu tempo, não deve curvar-se às doutrinas convencionais, ou à jurisprudência subserviente, mas revestir-se da coragem de se preferir ser justo, parecendo injusto, do que injusto para salvar as aparências.”               Entendemos que o tema merecia ser mais bem tratado. A análise da literalidade do texto legal, sem o exame das suas contingências históricas, e mesmo indagações de ordem finalísticas, levam a jurisprudência a essa conclusão, em manifesta redução da compreensão do Direito. Como concebemos o Direito como um sistema de princípios, normas e valores, que o processo correto de interpretação deve revelar este espectro maior, não aceitamos já passados anos da vigência da Lei nº 11.101/05, não haja nenhum precedente reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 83, VII, quiçá uma interpretação conforme a Constituição.               O presente estudo, bem longe de pretender esgotar a matéria, propõe-se a apresentar e resolver a problemática em torno da possibilidade de exigência da multa tributária da massa falida, inclusive com preferência sobre o crédito dos sócios e administradores.               O fundamento nuclear do presente estudo é simples: não há como prevalecer o art. 83, inciso VII da Lei nº 11.101/05 em face do princípio da intranscendência das penas, direito fundamental assegurado pelo art. 5º, XLV da CF. Merecendo, portanto, o reconhecimento da inconstitucionalidade ou a utilização da técnica de interpretação conforme a Constituição.               O presente estudo para chegar nessas conclusões, primeiramente analisa o instituto da falência, conceito, natureza jurídica, classificação dos créditos e a situação dos credores. Adentra no estudo do direito tributário com as implicações no direito falimentar e uma breve análise das regras de responsabilidade tributária dos sócios, administradores e controladores, inclusive quanto à multa tributária. Demonstrar-se-á que a multa tributária é pena e que a Súmulas 192 e 565 do Supremo Tribunal Federal ainda podem ser aplicadas, bem como foram editadas sob a premissa de intranscendência das penalidades.    2. considerações sobre o instituto da falência               A falência no Brasil, primeiramente, foi regida pela legislação portuguesa, até o advento do Código Comercial Brasileiro, de 1850, cuja terceira parte fora denominada “Das Quebras”. Na sequência, a legislação esparsa tratou do tema, Decreto nº 917/1890, Lei nº 859/1902 e Lei nº 2.024/1908, revogando àquele tópico do Código Comercial. Portanto, existiram sucessivos diplomas até a vigência do Decreto-lei n. 7.661/45.[1]               O Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, mais conhecido como Lei de Falências, tratava da questão relativa ao processo falimentar, determinando o direito dos credores frente ao devedor insolvente. Hoje o processo falimentar é regido pela Lei nº 11.101/2005.               A lei impõe, para que seja decretada a quebra, a necessidade de superar dois requisitos, em especial no que tange ao sujeito passivo, quais sejam: deverá este ser empresário ou sociedade empresária e insolvente. Verifica-se que a legislação só aceita a falência de empresário ou sociedade empresária (seja ela regular ou irregular), e que seja insolvente.               O Direito contempla várias situações que caracterizam a insolvência, sendo certo que a atual legislação falimentar foi mais rigorosa nos requisitos necessários para decretação da quebra. A doutrina e a jurisprudência têm caminhado na busca de soluções mais consentâneas com os princípios constitucionais que permeiam a ordem econômica de nosso país e que, em última análise, visam à preservação das empresas e de suas unidades produtivas.  Afinal, é de interesse estatal manter o equilíbrio econômico, dando plenas condições à sadia atividade empresarial por aqueles que a exercem. Tanto é verdade, que a Constituição Federal dedica seu Título VII à ordem econômica e financeira.               Assim, a lei de recuperação judicial e falência, veio em especial embasada no princípio da preservação da empresa, como geradora de postos de trabalho, e a livre iniciativa econômica, que é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição da Federal), pois, por meio da atividade econômica, é que se torna viável o desenvolvimento econômico-social do País.               A falência é simplesmente um processo de execução concursal, não é comunhão, nem sociedade. É verdade que a massa age como se fosse uma pessoa jurídica em sentido lato; tem patrimônio distinto dos credores; as deliberações se tomam por maioria, e obrigam a todos (erga omnes); há direitos e interesses individuais e coletivos, em conflito, e para encaminhá-los existe uma administração (administrador judicial).[2]               Contudo, cumpre ponderar que há, entre a falência e a pessoa jurídica, notáveis e intrínsecas diferenças. Aquela visa em primeiro lugar realizar o pagamento total, ou proporcionais dos créditos e, uma vez pagos, se extingue; esta colima repartir benefícios comuns, durante certo prazo de tempo. Na pessoa jurídica, os sócios contribuem com bens, coisas ou direitos; na falência não contribuem com coisa alguma, mas todos querem receber do devedor comum que os aproxima.  A pessoa jurídica se funda em um contrato; a falência se instaura por força de lei, bastando que seja requerida por um credor, sem que os demais sejam consultados, ou se possam opor.   A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência busca assegurar a manutenção da atividade empresarial tanto quanto possível. A crise atravessada pelo agente econômico passa a ser encarada como algo possivelmente transitório e, desta forma, passível de superação.   O concurso dos credores respeita o princípio do par conditio creditorum, segundo o qual todos os credores que concorrem ao processo de falência devem ser tratados com igualdade, observada, é claro, a ordem legal de credores. Para atender o princípio do par conditio creditorum, necessário observar a universalidade do juízo falimentar, ou seja, todas as dívidas do devedor devem ser reclamadas e pagas no juízo uno e universal da falência, não sendo razoável que haja o pagamento de credores fora do juízo falimentar, o que geraria a possibilidade de pagamentos de credores em desigualdade de condições.               A razão fundamental da existência do instituto Falência é possibilitar aos credores do devedor empresário, satisfação de seus créditos em condições de igualdade entre si. Tal igualdade, por óbvio, é proporcional. Respeita as diferenças lógicas entre as naturezas jurídicas dos créditos. O objetivo é, como diz o brocardo, "igualar os iguais". Um crédito trabalhista, de natureza jurídica alimentar, é hierarquicamente superior a um crédito comercial.   Tal natureza confere à falência um status de instituto de ordem pública, onde nenhum interesse particular pode se sobrepor ao interesse coletivo, qual seja este, a satisfação dos credores, com o pagamento de todas as dívidas do falido.               Para Waldo Fazzio Júnior: “A equidade é um princípio geral de Direito que, aqui, se manifesta em toda a sua intensidade. O tratamento equitativo dos créditos é a máxima regente de todos os processos concursais, considerado o mérito das pretensões antes que a celeridade na sua dedução.”[3]               Pelo que se observa a máxima de qualquer falência, e naturalmente também na autofalência, é o tratamento igualitário dos credores e, na medida do possível, satisfazer todos os credores.   3. CLASSIFICAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO               A condição que a Fazenda Pública adota como credora no processo falimentar é incontroversa, uma vez que seu crédito ganha preferência frente a todos os demais, salvo os créditos trabalhistas (até o limite de 150 salários mínimos) e de acidentes do trabalho e agora, na nova lei, os créditos com garantia real (art. 83, inciso I, II e III, Lei nº 11.101/05).               O Código Tributário Nacional estabelece uma ordem entre os créditos tributários (parágrafo único do art. 187 do CTN), de tal sorte que a União tem prioridade frente aos Estados e Distrito Federal e estes frente aos Municípios.   Os chamados créditos parafiscais (INSS, SESC, SENAI, etc.) estão equiparados em tudo aos créditos tributários, gozando dos mesmos privilégios. Não estão sujeitos, por igual, à habilitação de crédito no processo da falência do devedor.               Por meio da Lei Complementar nº 118/05, também se modificou o art. 186 do Código Tributário Nacional, em relação à classificação dos créditos na falência estabelecendo-se que o crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. No parágrafo único do mesmo artigo estabeleceu-se que o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado. Autorizou-se à lei falimentar estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho e que a multa tributária prefere aos créditos subordinados.               Também não se suspendem nem tampouco são atraídas ao juízo falimentar as execuções fiscais, por força do que dispõe o art. 187 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido esclarece Leandro Paulsen: “A execução fiscal não se sujeita a concurso de credores ou habilitação, mantendo, pois, a sua autonomia e o seu curso independente.” [4]               As execuções fiscais, portanto, continuam a tramitar normalmente, todavia, passando a atuar no processo à massa falida, devidamente representada pelo administrador judicial.               Da mesma forma, caso seja necessária à propositura de execução fiscal após a declaração da falência, será distribuída livremente perante as Varas da execução fiscal, sendo o administrador judicial citado em nome da massa falida.   4. CRÉDITO RELATIVO AOS JUROS               O art. 26 do Decreto-Lei nº 7.661/45 previa que contra a massa não correm juros, se o ativo apurado não bastar para o pagamento do principal. O referido dispositivo legal não determinava que os juros fossem indevidos. Logo, deveriam ser pagos, salvo se fosse comprovado que o ativo apurado não bastaria para o pagamento do principal, prova essa que deveria ser feita pelo falido.               O art. 124 da Lei nº 11.101/05 reza que contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contratos, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados. A regra é um pouco diferente, pois os juros, previstos em lei ou em contrato, vencidos antes da decretação da falência, são devidos, inclusive os trabalhistas, que são decorrentes de lei. Os juros vencidos após a decretação da falência serão devidos se o ativo apurado bastar para o pagamento dos credores subordinados e de outros credores. Se o ativo não bastar para o pagamento dos credores subordinados, serão indevidos os juros.                           Da leitura do dispositivo legal nos leva a crer que havendo ativos suficientes para pagamento dos credores subordinados, os juros deverão ser pagos aos credores. O problema reside em definir se os juros serão pagos após a satisfação dos credores subordinados ou se deverão ser pagos antes, inclusive das multas moratórias.               A doutrina falimentar não é clara a respeito. Autores como Fábio Ulhoa Coelho[5], Manoel Justino Bezzerra Filho[6], Julio Kahan Mandel[7], Ecio Perin Junior[8] e Ricardo Negrão[9]  sugerem apenas que havendo ativos suficientes para pagamento dos créditos subordinados, os juros  poderão ser pagos aos credores integral proporcionalmente em cada classe.               A nosso ver, o art. 124 da LF condiciona o pagamento dos juros ao pagamento de todos os credores, inclusive a última classe de credores (subordinados). Prescreve o citado dispositivo legal: “Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos credores subordinados”. Isso significa  que a multa moratória será paga antes dos juros, uma vez que está na ordem de preferência anterior ao dos credores subordinados. Aliás, o art. 186, parágrafo único, inciso III do CTN cuja redação foi dada pela LC nº 118/05, estabelece que a multa tributária prefere apenas os créditos subordinados. Situação que demonstra o erro do legislador, pois ao fim e ao cabo, transfere o pagamento da multa moratória aos credores, inclusive aos sócios mesmo que não estejam presentes nenhuma das hipóteses dos arts. 134, 135 e 137 do CTN.   5. A MULTA COMO CRÉDITO PREFERENCIAL AOS JUROS E CRÉDITOS SUBORDINADOS               Como visto, uma das modificações introduzidas pela nova Lei de Falências é a possibilidade de se cobrar da massa falida as multas administrativas, inclusive as tributárias. A cobrança de tais consectários era vedada pela Lei de Falência revogada (art. 23, parágrafo único, III, do Decreto-Lei nº 7.661, de 21.06.1945).               No mesmo sentido eram as Súmulas nº 192 e nº 565 do STF. Contudo, tais créditos, segundo a nova legislação, serão pagos depois dos considerados quirografários (inciso VII do art. 83 Lei nº 11.101/05), já que preferem apenas os créditos subordinados (art. 186, parágrafo único, inciso III do CTN).               A lei inova nesse dispositivo quando separa do critério tributário o valor do principal do valor dos acessórios, como exemplo as multas tributárias. Dessa forma, terá privilégio apenas o valor principal do crédito tributário, devidamente atualizado, sendo que o restante estará na ordem de preferência dos créditos subordinados e aos juros. Esclarece Leandro Paulsen: “Importa distinguir, na falência, os critérios relativos a tributos devidos, de um lado, dos critérios relativos a multa por descumprimento de obrigação tributária, de outro. Isto porque a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados, ou seja, aos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício, nos termos do art. 186, parágrafo único, III, do CNT e do art. 83, VIII, da Lei 11.101/05. Ademais, contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência, salvo para cobrança, em último lugar, se houver bens disponíveis após a satisfação de todos os demais débitos, por força do art. 124 da Lei 11.101/05.”[10]               Portanto, o legislador ao desvincular o valor do principal de suas multas, tentou proporcionar uma maior isonomia, entretanto, a multa será paga antes dos credores subordinados (Lei nº 11.101/05, art. 83, VIII c/c art. 186, parágrafo único, inciso III do CTN).               Com efeito, satisfeitos todos os quirografários, se restar ainda dinheiro em caixa, o administrador judicial pagará os créditos subquirografários, que compreende, inicialmente, as multa contratuais e as penas pecuniárias e, depois os subordinados. Satisfeitos os créditos subordinados, o administrador judicial pagará os juros.               Veja-se que a existência dos chamados créditos subordinados  que são pagos após o pagamento de todos os credores, inclusive aqueles que não possuem qualquer privilégio, encontram-se nesta categoria os titulares de debênture subordinada e aquele pertencente aos sócios ou administradores, ou seja, o pro labore (retirada), parte dos lucros que lhes cabe nos resultados da empresa falida, pendentes na data da quebra, bem como empréstimos realizados pelo sócio à sociedade . Dessa forma, os valores decorrentes de direito de sócio em relação ao seu quinhão social na liquidação da sociedade não são oponíveis à massa falida.               Neste último crédito, fazemos referência ao comentário de Renato Luiz de Macedo Mange, que faz a seguinte observação: “Com relação a colocar em último lugar o crédito fornecido por sócios ou administradores sem vínculo empregatício, quer nos parecer ser apenas um preconceito do legislador contra o “dono” da empresa. Não vemos razão para, talvez por considerar que há sempre má-fé, assim classificar o crédito que o próprio sócio aportar para sua empresa. Essa norma apenas desestimula a aplicação de valores em seu próprio negócio.” [11]               Fábio Ulhoa Coelho ao estabelecer uma classe de credores subquirografários os divide em duas subclasses: créditos por ato ilícito (multas)  e credores subordinados. Reconhecendo uma hierarquia entre eles, ou seja, primeiramente devem ser atendidos os créditos por ilícitos (multa) e sugere: “depois de pagos os credores quirografários e antes de começar atender os subordinados, o administrador deve proceder ao pagamento das multas contratuais e penas pecuniárias.”.[12]               Justifica o citado autor: “Pois bem, não seria justo deixar de atender à maioria dos credores (excetuam-se desse tratamento apenas os subordinados) em razão de se consumirem recursos da massa no pagamento desse gênero de obrigação. Equivaleria, num certo sentido, a transferir para a comunidade dos credores as consequências da ilicitude perpetrada pelo devedor. Isso, principalmente quando se trata de pena pecuniária por infração à lei penal, agride frontalmente os valores sociais cultivados pela organização democrática, que impedem seja a sanção suportada por quem não cometeu o ilícito. Assim sendo, para evitar tal injustiça, a lei classifica os créditos derivados de multas contratuais e penas pecuniárias em seguida aos quirografários e antes dos subordinados.” [13]               Pensamos de forma diversa ao citado autor. O fato de a multa possuir preferência apenas sobre os credores subordinados não afasta a transferência de obrigação pelo pagamento aos demais credores. Isso porque, o Fisco irá receber o crédito da multa moratória com preferência aos juros. Além disso, o sócio que tenha a condição de credor da massa irá ao fim e ao cabo, ficar responsável pelo pagamento da multa tributária o que, a nosso ver, é impossível frente às garantias constitucionais e normas cogentes do Código Tributário Nacional. É o capital social a garantia dos credores, de tal forma que o sócio apenas tem direito a ele após o pagamento de todos os débitos, inclusive as multas tributárias. Em consequência, apenas se poderia imaginar a preferência da multa tributária sobre esse crédito do sócio. Com efeito, apenas essa rubrica (capital social), poderia ser classificada como subordinado.   6.  responsabilidade pessoal do sócio               O CTN estabelece com precisão, no seu art. 121, a diferença entre contribuinte e responsável, chamando ambos de sujeito passivo.               O ponto mais importante no tema responsabilidade surge em razão da imputação a terceiras pessoas, destacando-se como norma de regência os arts. 134 e 135 do CTN.               O art. 134 contempla genuína hipótese de responsabilidade subsidiária do contribuinte, ou seja, responde em primeiro lugar ao de outrem, na impossibilidade de se exigir do primeiro. Portanto, não há solidariedade alguma como diz a lei, e sim concorrência entre o contribuinte e o responsável, este nas pessoas elencadas nos incisos do artigo, dentre os quais está o sócio.   Sem a concordância das situações colocadas nos incisos, não se pode imputar a responsabilidade do sócio, responsabilidade que é eminentemente tributária. Portanto, só pode incidir a multa moratória, nunca a multa punitiva, nos termos do art. 134, parágrafo único do CTN.   Esse dispositivo legal é o que mais importa no presente estudo. Adiante será demonstrado que a multa tributária sempre será de natureza punitiva, situação que impede que a multa tributária seja exigível no processo de falência.  Diversa é a hipótese contemplada no art. 135 do mesmo diploma legal. Entendemos, entretanto, que o sócio só pode ser pessoal e exclusivamente responsabilizado quando praticar uma das infrações catalogadas no art. 137 do CTN.[14]               De qualquer forma, a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que pode induzi-la, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos tributários desta.[15]               De se registrar que a falência não se enquadra como dissolução irregular da sociedade, muito pelo contrário, é forma de liquidação regular, devendo inclusive ser postulada a autofalência caso necessário (art. 105 do Lei nº 11.101/05).               Importante registrar a posição do então Desembargador Adão Sérgio do Cassiano Nascimento, ao sustentar que não é a falta de localização da sociedade ou mesmo o cancelamento do registro na Junta Comercial que autoriza a responsabilidade de terceiros:[16]               De fato, é comum na jurisprudência, o entendimento simplista de que se presume a dissolução irregular pelo fato de a sociedade não ser encontrada ou mesmo por não ter registrado o distrato no órgão competente. É necessário mais que isso, segundo entendemos, há que se demonstrar que “houve apropriação patrimonial dos bens da empresa em benefício do sócio e em detrimento do Fisco.” [17]               Não raras vezes, a jurisprudência tem confundido hipótese de responsabilidade solidária, com a responsabilidade pessoal de diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, por prática de infrações, definidas no art. 135, III, do CTN; o que é pior, combinando a responsabilidade subsidiária do art. 134 com a responsabilidade pessoal do art. 135 do CTN.               A jurisprudência do STJ está evoluindo para a fixação da tese de responsabilidade pessoal de sócio em caso de dissolução irregular, reconhecendo que falência é forma de dissolução regular, entretanto, ainda persiste grande confusão quanto ao ônus da prova.[18]               O preceito do art. 124, II, do CTN, no sentido de que são solidariamente obrigadas "as pessoas expressamente designadas por lei", não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros, estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma.               Outro instrumento jurídico passível de ser utilizado pelo órgão fazendário para fins de garantir o recebimento de seus créditos é o que chama a doutrina de teoria da desconsideração da personalidade jurídica, para fins de se atacar diretamente os bens particulares dos sócios por dívidas das sociedades empresárias, sem a necessidade de cumprimento do disposto nos arts. 135 e 137 do CTN.               Por outro lado, dispõe a Lei nº 11.101/2005, em seu art. 81, que a falência das sociedades de responsabilidade ilimitada importa, automaticamente, na falência dos sócios. Em relação a sociedade limitada, no art. 82, consta que deverá ser apurada a responsabilidade pessoal dos sócios, controladores ou administradores da sociedade em processo próprio para tal fim.             Com efeito, dispõe o Fisco de mecanismos legais e meios processuais adequados para exigir à multa tributária e responsabilizar terceiros. Não há justificativa plausível para que o Fisco tenha privilégios, transferindo diretamente a obrigação de pagamento da multa aos credores da falência como quer o art. 83, inciso VII da lei nº 11.101/05. Muito menos é cabível classificar a multa tributária com preferência ao crédito dos sócios e administradores (art. 83, inciso VII, “b” c/c art. 186, parágrafo único, inciso III do CTN), sem antes estarem presentes os requisitos de responsabilidade destes nos termos da lei (art. 134 e art. 135 c/c art. 137 do CTN).   7. MULTA TRIBUTÁRIA               Esclarecidas as questões falimentares e responsabilidade pessoal do sócio, chegamos ao ponto do estudo que daremos a interpretação correta quanto à impossibilidade de manter a redação do art. 83, inciso VII da Lei nº 11.101/05.                A doutrina de Kelsen, acerca da norma jurídica, ensina que há uma dúplice estrutura formada por uma norma primária e outra norma secundária, sendo que a primária determina a prática de uma determinada conduta e a secundária prescreve uma sanção. Por isso que se concebe que essas duas espécies de preceitos estão intimamente interligados, garantindo a eficácia da norma comportamental.[19]               Nesta mesma seara, Norberto Bobbio define a sanção como "o expediente através do qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias".[20] Assim, a sanção surge com dois objetivos: de um lado funciona como meio retributivo, a fim de se punir aquele que desobedecer à alguma norma social de conduta e, de outro, visa a proteger as diretrizes daquele mandamento legal.               E quando este mandamento legal é desobedecido, é bom que se atente que essa transgressão pode se dar em dois sentidos, como bem alerta Sacha Calmon Navarro Coelho: “Não praticar um comportamento tem dois sinais: positivo e negativo. Quando um comportamento é punível, é porque o seu contrário é obrigatório. Se age quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar é que é a hipótese de punição. Se não se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar - comportamento omissivo - é que é a hipótese de punição.”[21]               Assim, a função da norma punitiva, além de visar à aplicação de medidas coativas, possui também um caráter ideológico, na medida em que atende aos anseios sociais de se testemunhar a punibilidade do infrator.               Várias são as modalidades de sanções previstas na legislação tributária para os casos de seu descumprimento por parte do contribuinte. As mais correntes são as seguintes: i) apreensão de mercadorias e de documentos, bem como de veículos que os transportarem em face de irregularidades constatadas pela fiscalização; ii) sujeição a regime especial de fiscalização, que se utiliza, como modalidade de sanção, para forçar o contribuinte contumaz na falta de recolhimento dos tributos a cumprir suas obrigações tributárias, sujeitando-o, inclusive, à fiscalização constante e com plantões fiscais à porta de seu estabelecimento; iii) cassação de regime especial de pagamento do imposto, bem como de escrituração diferenciada, retirando os benefícios, já outorgados, para o contribuinte que procedeu de modo fraudulento ou que incidiu em sonegação fiscal; iv) as penalidades pecuniárias - forma mais expressiva da sanção instituída pelas entidades tributantes para impelir o contribuinte faltoso ao cumprimento da obrigação contida na legislação tributária.               Estas penalidades podem ser de natureza, segundo a melhor doutrina, a saber: i) penalidades ressarcitórias - quando visa, exclusivamente, a permitir a reposição do valor recolhido com atraso; ii) penalidades punitivas - que visam a intimidar e a punir o contribuinte em face da falta de pagamento do imposto; iii) penalidades corretivas - instituídas, em regra, para sancionar falta de cumprimento de obrigações acessórias.               Estas, pois, as formas básicas de sancionamento jurídico-tributário, sem prejuízo de outras de incidência pertinente à jurisdição penal, quando a significação do ilícito tributário tenha sido de tal gravidade que haja sido incorporado na legislação penal (como é o caso do contrabando, do descaminho, da sonegação tributária, da apropriação indébita tributária, entre outros).               No presente estudo, no entanto, interessam-nos apenas as penalidades de natureza pecuniária, ou seja, as denominadas multas fiscais, já que as outras formas administrativas e jurisdicionais de punição não merecem enfoque nesta oportunidade.   8. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DA MULTA TRIBUTÁRIA             A respeito da responsabilidade do contribuinte por infrações tributárias, estabelece o art. 136 do Código Tributário Nacional: "Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato".               O Código Tributário Nacional, ao preceituar a aplicação de sanção por infrações tributárias, utiliza a expressão "independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato", ou seja, desconsidera a intenção do agente ou responsável como pressuposto para a aplicação da devida punição, bem como dispensa a comprovação dos efeitos e a extensão dos danos à Fazenda Pública.               Com essa atitude, quis o legislador consagrar a responsabilidade objetiva por atos infracionais tributários, dispensando a Fazenda Pública de perquirir fatos comprovadores da presença do dolo ou da culpa e elementos de materialidade efetiva para aplicar a sanção correspondente. Em outras palavras, para legitimar a sanção, bastava-se a certificação do fato infracional, independente da existência de culpa, demonstração de boa-fé e ocorrência de efetivo dano ao Erário Público.               Entretanto, a doutrina defende outras interpretações para o dispositivo legal em voga. O Professor Hugo de Brito Machado possui o seguinte entendimento: “A diferença é simples. Na responsabilidade objetiva não se pode questionar a respeito da intenção do agente. Já na responsabilidade por culpa presumida tem-se que a responsabilidade independe de intenção apenas no sentido de que não há necessidade de se demonstrar a presença de dolo ou culpa, mas o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade.” [22]               É nesse cenário que o trabalho se torna polêmico, pois o acatamento de uma responsabilidade objetiva estaria retirando a necessidade de averiguação da culpa em infrações sancionatórias, criando dúvidas quanto à aplicação de princípios constitucionais, como a presunção de inocência do administrado, a proporcionalidade, a individualização da pena, etc.   É inevitável a analogia que se faz da estrutura de punições administrativas tributárias com o sistema do direito penal, haja vista a semelhança de seus resultados.               Em face dessa situação, seria temerário permitir que a Fazenda Pública aplique sanções administrativas sem analisar a presença do elemento subjetivo do agente, sendo que, tanto no tipo penal como no tipo tributário, deve existir a justa causa na persecução estatal, e é justamente isso que irá identificar uma conduta como infracional.               Assim, quando o art. 136 do CTN dispõe que a sanção "independe da intenção do agente", a legislação excluiu a necessidade de a Fazenda Pública perquirir, acerca do dolo, em criar algum prejuízo ao Erário Público, mas não isentou a autoridade fiscal em analisar a culpabilidade do acusado (culpa sentido estrito), a fim de verificar se não se trata de mero erro ou equívoco, tornando incabível a aplicação de uma sanção sem tal averiguação.               Esse entendimento é comprovado nas palavras do Professor Luciano Amaro, que assim leciona: “Quando cometo uma infração por engano, um erro material que não dependeu da minha vontade, que pode ter decorrido da minha imperícia, da minha negligência, mas não decorreu da minha intenção, a coisa parece que muda um pouco de figura. O Código não está aqui dizendo que todos podem ser punidos independentemente de culpa. Ele está dizendo que a aplicação penal independe de intenção, o que libera o Fisco de obter a prova diabólica de que, em cada situação de infração fiscal, o indivíduo queria mesmo descumprir a lei. O Fisco não precisa fazer essa prova.” [23]                 Observe-se que a própria legislação contemporânea ao CTN exige que a graduação de certas multas tributárias seja feita conforme a comprovação de intuito fraudulento do agente. Note-se, ainda, que a Lei nº 9.430/1996, que regulamenta as multas punitivas a serem aplicadas no descumprimento das obrigações tributárias federais, prevê o percentual de 75%, nos casos de falta de pagamento, recolhimento após o vencimento do prazo, nos termos do art. 44, I. Já o inciso II do art. 44 do mesmo diploma legal impõe a aplicação de multa no percentual de 150% do valor do tributo devido, nos casos de evidente intuito de fraude.               Neste caso, fica evidente que a legislação federal exige a análise subjetiva do contribuinte (intuito de fraude) para aplicar a multa no percentual agravado, o que leva à conclusão, até de forma lógica, que deve ser exigida a mesma análise para a aplicação de qualquer tipo de punição tributária.               Ao aplicar infrações administrativas tributárias sem a análise da culpa, configurará uma ofensa ao princípio da proporcionalidade e da isonomia, uma vez que se estaria aplicando a mesma pena para o infrator que teve a má-fé em prejudicar o Erário Público e para aquele contribuinte que por um mero equívoco acabou se enquadrando naquele tipo punitivo. Desse modo, o princípio da proporcionalidade funciona como verdadeiro filtro administrativo, exigindo que haja gradação nas punições previstas no ordenamento jurídico, de modo que o Estado aplique sanções na medida da culpabilidade do agente, o que não se coaduna com a teoria da responsabilidade objetiva.             9. AS SÚMULAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL             O Supremo Tribunal Federal já afirmou a distinção entre a multa fiscal como pena administrativa e a multa fiscal simplesmente moratória. Tanto que sumulou seu entendimento no sentido de incluir-se no crédito habilitado na falência a multa fiscal simplesmente moratória (Súmula nº 191) e não incluir-se naquele crédito a multa fiscal com efeito de pena administrativa (STF, Súmula nº 192). Modificou, porém, o seu entendimento por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 79.625 e cancelou a Súmula nº 191 editando a de nº 565, a dizer que "a multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado na falência".               A Súmula 191 e 192 (aparentemente contraditórias) tiveram aprovação na sessão plenária do STF em 13.12.1963, anterior ao CTN, enquanto que a Súmula 565 foi aprovada em 15.12.1976.               O que importa para o presente trabalho são os precedentes que fundamentaram a elaboração das respectivas súmulas.               A Súmula nº 191 se referia exclusivamente a multa fiscal e teve por base julgados anteriores ao Código Tributário Nacional época que inexistia previsão de correção monetária do crédito tributário e, portanto, a multa tinha caráter indenizatório apenas e como tal foi reconhecida.               Quanto à Súmula nº 192, o STF entendeu por diferenciar multa indenizatória da Súmula nº 191, da multa com efeito de pena administrativa e, neste caso afastá-la da massa falida por força do art. 23, § único, inciso III do DL 7.661/45.               Na Súmula nº 565 foi aberto um grande debate pelos Ministros do Supremo no RE 79.625/SP quanto à multa tributária, se moratória ou punitiva. Foi reconhecida a natureza sempre punitiva da multa tributária, independente do nomem iures que lhe empreguem.               Nesse sentido o voto do Ministro Cordeiro Guerra: “Nessa conformidade, a sanção fiscal aplicada ao falido, compensada a mora pela correção monetária do tributo exigido e pelos juros moratórios, é sempre punitiva, pois que a sanção aplicada não o é pela mora, mas pelo simples fato do inadimplemento, daí considerar a sua natureza como punitiva, e não moratória. (...) Por isso, entendo, como o Egrégio  Tribunal local,  e nesse sentido votei no plenário,  no RE nº   80.093-SP   e  mais   80.193,   80.147  e  80.185,   em  13.12.74,   que  as   sanções   fiscais   são sempre   punitivas,   uma  vez   assegurados   a   correção   monetária   e   os   juros   moratórios.   O princípio da  Lei   de Falências é  o  de  que não se deve  prejudicar  a massa,  o interesse  dos credores.  O que se assegura  é  o  imposto  devido,   não  as  sanções  administrativas.  Esta a inteligência que dou ao art. 184 do CTN.”               A ementa do acórdão que deu origem a Súmula nº 565 constou expressamente que não há como distinguir multa moratória e administrativa: “Multa moratória. Sua inexigibilidade em falência, art. 23, § único, III da Lei de Falências. A partir do Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de (sic) 25.10.966, não há como se distinguir entre multa moratória e administrativa. Para a indenização da mora são previstos juros e correção monetária.”               Como se nota, entendeu-se que com o advento da Lei 5.172/66 - instituindo o Código Tributário Nacional - não havia mais motivo para se discutir a natureza da multa fiscal moratória, apresentando a mesma, a partir de então, um caráter punitivo. O verbete da Súmula 191 foi cancelado no julgamento do RE 79.625/SP.               Com efeito, a distinção entre multa tributaria moratória e multa tributaria punitiva é  descabida,  porquanto a  função  da  multa  moratória  é  e sempre foi, de fato, punir o inadimplemento, e não remunerar o capital - que seria função dos juros - nem, muito menos, recompor o valor real da moeda o que viria a ser feito pela correção monetária.               Entretanto, ao editar a Súmula nº 565 o Supremo Tribunal Federal foi além. O fundamento nuclear para afastar a exigência da multa na falência partiu da premissa que multa tributária é de responsabilidade da falida sendo inviável a transferência aos credores.               O Ministro Leitão de Abreu esclareceu que a multa tributária caso pudesse ser exigida atingiria aos credores quando em verdade é de responsabilidade pessoal do falido: “Fundamental, nos termos dessa exposição, para que a multa pecuniária se exclua do processo de falência, é a circunstância de caber ao falido a responsabilidade pessoal pela infração, que haja dado causa à pena. Filia-se essa interpretação, como é sabido e como se registra, lias, em nota de comentário do insigne comercialista, à exposta nos motivos da lei alemã, explicativos das razões que haviam induzido o legislador germânico a mandar excluir do concurso os créditos fundados em penas pecuniárias. ‘Se as penas pecuniárias’ – rezavam os motivos dessa lei – “em que estivesse incurso o devedor comum, pudessem ser reclamadas na falência, elas feririam, não tanto esse devedor, quanto aos credores da falência”.                Do mesmo fundamento o Ministro Cunha Peixoto: “Além disso, penal ou moratória, o falido deixa de pagá-la para transferir aos seus credores”.               O Ministro Moreira Alves partilhou do mesmo argumento, qual seja: impossibilidade de transferir a responsabilidade da multa aos credores: “Não prejudicar a massa falida, para o efeito de não prejudicar também os credores que, afinal das contas, vão pagar por pena sofrida pelo devedor, que igualmente não lhes pagou.  De um lado teríamos um credor, o Estado, que receberia o principal, a correção monetária, os juros moratórios (portanto, teria não só o crédito, como também a indenização pela demora plenamente satisfeita e, além disso, multa que em verdade, não seria mais contra o falido, e sim, contra os credores deste.”               Note-se, portanto, que os destinatários do citado benefício não são os empresários falidos, mas sim seus credores. Através deste mecanismo, objetivou-se evitar que credores suportassem as penalidades pecuniárias aplicadas ao falido.   10. A INTRANSCENDÊNCIA DAS PENALIDADES             A individualização das penas serve como expressão de justiça, as penas não podem passar do agente que cometeu o dano ou o crime, salvo algumas exceções. A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XLV, estabelece: “nenhuma pena passará do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens serem nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido". Trata-se do Princípio da Intranscendência, que preconiza a impossibilidade de se propor ou estender os efeitos da pena para terceiros que não tenham participado do ato. Também denominado princípios da personalidade da pena ou da pessoalidade.   Poderia se dizer que seria um princípio óbvio e por essa razão é pouco tratado pela doutrina. Entretanto, ao que vemos em pleno século XXI ainda é desrespeitado pelo legislador, muito embora elencado como direito fundamental na Constituição Federal. Num giro pela história, verifica-se também que nem sempre foi assim. Esse princípio representa a própria evolução da história da pena em que nos primórdios era indeterminada, ilimitada e não guardava qualquer proporção com a conduta proibida. Era o período da vingança privada, onde a reação do ofendido ocorria ao seu próprio arbítrio, não se conhecendo qualquer limitação a esta.   Atualmente o princípio constitucional da intranscendência das penas tem supremacia à norma infraconstitucional falimentar e qualquer multa em falência só  pode  ser adimplida  depois de satisfeitos todos os credores.   Na multa tributária a similitude com as normas de direito penal é evidente. O legislador se utilizou de princípios consagrados no direito penal, como é o caso da absorção (pela lei tributária) de preceitos relativos à reserva legal (art. 97, inciso V do CTN); da retroatividade da lei benigna (art. 106 do CTN); da personalização da pena, (art. 137 do CTN).   Além disso, a multa tributária tem natureza jurídica puramente punitiva e como tal não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera civil (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria de culpabilidade do direito penal, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo. Ademais disso, se a sanção por ato ilícito não é tributo, como expressamente definido no art. 3º do Código Tributário Nacional, parece correto o entendimento que a multa tributária tem natureza jurídica de sanção e não de tributo, com o que mais fácil torna defender que não é admissível transferir aos credores da massa falida em face do princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inciso XLV, CF/1988), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo Direito sancionado.   Entendemos necessária essa interpretação sistemática do ordenamento jurídico, exigível do hermeneuta, para que seja possível ser reconhecida a inconstitucionalidade da exigência da multa moratória ou lançado mão da técnica de interpretação conforme. Para se chegar a essa conclusão é necessário compreender a técnica de interpretação sistemática que melhor atende ao dever de coerência no ordenamento jurídico.               Isso porque, poderá ocorrer a situação de a multa tributária subtrair o ativo da falida não sobrando valores para pagamento dos juros (art. 124 da Lei nº 11.101/05) e dos créditos dos sócios e administradores (já que pagos posteriormente às multas). Isso significa ao fim e ao cabo, que os credores, os sócios ou administradores é que serão responsáveis pela multa tributária e, como visto anteriormente, vedado pelo princípio constitucional da intranscendência das penas (art. 5º, inciso XLV, CF/1988) e vem de encontro às disposições do art. 134, parágrafo único do CTN e art. 135 c/c art. 137, inciso III, “a”, “b” e “c” do CTN.               É possível, a nosso ver, uma proposta interpretativa, em conformidade com a Constituição, ou seja, reconhecendo-se a exigibilidade da multa tributária, mas reclassificando-a para o último lugar na ordem de preferência, ou seja, após satisfação de todos os créditos.     11.  CONCLUSÃO               Percorrido pacientemente o itinerário da formulação deste singelo trabalho, entendemos ter oferecido sugestões para responder à hipótese-problema objeto da pesquisa.               Sem hesitar, concluímos pela inconstitucionalidade da exigência da multa tributária. O princípio da intranscendência, assegurado como direito fundamental na Constituição Federal, preconiza a impossibilidade de transferir os efeitos da pena para terceiros.               Como visto alhures, a Súmula nº 565 do Supremo Tribunal Federal ao reconhecer que as multas tributárias são punitivas entendeu pela impossibilidade de ser transferidas aos credores da falência. Esse foi o fundamento nuclear e a premissa fundamental da Corte Suprema ao editar a súmula.               A referida súmula, portanto, está em plena vigência e não foi revogada pelo art. 83, inciso VII da Lei nº 11.101/05. Não pode o sucessor suportar um castigo (ou punição) aplicado ao sucedido, autor da infração tributária.               Assim, o art. 83, inciso VII da Lei nº 11.101/05, ao estabelecer ordem de preferência da multa tributária ofendeu o princípio da intranscendência das penas, merecendo o reconhecimento de sua inconstitucionalidade frente ao art. 5º, XLV da Constituição Federal.               Incluem-se neste mesmo raciocínio, os créditos dos sócios e administradores sendo inaplicável o art. 83, inciso VIII alínea “b” da Lei nº 11.101/05 frente à Súmula nº 565. Como a obrigação principal, conforme § 1º do art. 113 do CTN, contempla além do tributo a penalidade pecuniária, à primeira vista, conclui-se que as pessoas relacionadas no art. 134 do CTN também respondem pelas penalidades pecuniárias, sejam elas moratórias ou não. No entanto, o parágrafo único do mesmo artigo fez por bem excluir desta responsabilidade, em relação à matéria de penalidade, as multas que não sejam moratórias. Diversa é a hipótese do art. 135 do CTN que merece sua leitura conjunta com o art. 137 do CTN, cuja redação é clara no sentido que a responsabilidade quanto à infração é pessoal (art. 137, III, “a”, “b” e “c” do CTN).               A conclusão de impossibilidade de transferência para terceiros da multa tributária foi bem abordado e resumido por Adão Sérgio do Nascimento Cassiano: “o responsável tributário só responde por multa, que é pena (Súmulas 192 e 565 do STF), se for o próprio infrator, pois a pena não pode passar da pessoa do infrator (CF, art. 5°, XLV)”.[24]               A única possibilidade de se afastar a inconstitucionalidade da exigência da multa tributária no processo de falência, é por meio da técnica de interpretação conforme a Constituição, ou seja, ser reclassificada para o último lugar na ordem de pagamento, isto é, após pagamento de todos os credores, inclusive eventuais créditos dos sócios e administradores e desde que os recursos para tanto sejam provenientes de realização do ativo da massa falida.               A jurisprudência e a doutrina, passado todos esses anos de vigência da Lei nº 11.101/05, já devia ter se debruçado sobre a inconstitucionalidade da multa tributária no processo falimentar ou no mínimo se manifestado sobre a necessidade de uma interpretação conforme a Constituição.  Por essa razão, encerramos o presente estudo com o pensamento de Calamandrei citado na introdução do trabalho e do qual nos inspirou estudar um tema não enfrentado, “o homem do seu tempo não deve curvar-se às doutrinas convencionais, ou à jurisprudência subserviente”.     12. BIBLIOGRAFIA   AMARO, Luciano. Infrações tributárias. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 67, p. 25-42, 1996.   BEZERRA FILHO, Manoel Justino, Lei de recuperação de empresas e falência, 7.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.   BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2008.   COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas, 8. ed, São Paulo: Saraiva, 2011.   COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.   CALMON, Eliana. Responsabilidade tributária e penal dos administradores. Jornal Síntese, n. 59, p. 3, jan. 2002.   FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova lei de falências e recuperação de empresas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.   KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.   MACHADO, Hugo de Brito. Teoria das sanções tributárias. Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004.   MANGE, Renato Luiz de Macedo. Classificação dos créditos na falência. Revista do Advogado, AASP, ano XXV, n. 83, p. 120, set. 2005.   MANDEL, Julio Kahan. Nova lei de falências e recuperação de empresas, São Paulo: Saraiva, 2011   NEGRÃO, Ricardo, Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas, Saraiva, 3ª Edição 2009.   PAULSEN, Leandro. René Bergmamm Ávila, Ingrid Schroder Sliwka. Direito processual tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência, 6. ed. ver. atual., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010   _____, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.   PERIN JUNIOR, Ecio Curso de direito falimentar e recuperação de empresa, Saraiva, 4ª Edição, 2011.   [1] PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 40. [2] PERIN JUNIOR, op. cit., p. 55. [3] FAZZIO JUNIOR, Waldo. Nova lei de falências e recuperação de empresas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006,  p. 34. [4] PAULSEN, Leandro. René Bergmamm Ávila, Ingrid Schroder Sliwka. Direito processual tributário: processo administrativo fiscal e execução fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência, 6. ed. rev. atual., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.30.   [5] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas,    8 ed, São Paulo: Saraiva, 2011. p. 456. [6] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência, 7.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 277. [7] MANDEL, Julio Kahan. Nova lei de falências e recuperação de empresas, São Paulo: Saraiva, 2011. p. 228. [8] PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de direito falimentar e recuperação de empresas, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 351. [9] NEGRÃO, Ricardo. Aspectos objetivos da lei de recuperação de empresas, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 53. [10] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. p. 206.   [11] MANGE, Renato Luiz de Macedo. Classificação dos créditos na falência.Revista do Advogado, AASP, ano XXV, n. 83, p. 120, set. 2005. [12] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas, 8., ed, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 318. [13] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas, 8., ed, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 319. [14] Na mesma linha: CALMON, Eliana. Responsabilidade tributária e penal dos administradores. Jornal Síntese, n. 59, p. 3, jan. 2002. Idêntico posicionamento doutrinário firmou o Professor Hugo de Brito Machado, quando acompanhando o mesmo entendimento da citada Ministra, conclui que o simples inadimplemento da obrigação tributária principal não configura infração à lei capaz de ensejar tal responsabilidade, porque isto levaria a suprimir-se a regra, fazendo prevalecer, em todos os casos, a exceção. O não-cumprimento de uma obrigação qualquer, e não apenas de uma obrigação tributária, provocaria a responsabilidade do diretor, gerente ou representante da pessoa jurídica de direito privado inadimplente. Mas tal conclusão é evidentemente insustentável. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 163. [15] Diversa é a hipótese do art. 134, inciso VII do CTN, em que são responsáveis tributários os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. [16] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento Nº 70022998066, Segunda Câmara Cível, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado, 2008. [17] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70022484976, Segunda Câmara Cível, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, 2008. [18] A posição atual é no sentido que cabe ao executado a prova: “Não encontrada a empresa no domicílio fiscal, gera presunção iuris tantum de dissolução irregular e a possibilidade de responsabilização do sócio-gerente a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, nos termos da Súmula 435/STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente". 3- Afastar a orientação adotada pelo aresto recorrido para acolher-se a pretensão do recorrente no sentido de que não teria havido indícios de dissolução irregular da empresa executada exige análise de fatos e provas, o que inviabiliza a realização de tal procedimento pelo STJ, no recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 4- Agravo regimental não provido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AgRg-AG-REsp. 176.010 – (2012/0096210-0) – 2ª T. – Relator: Ministro Castro Meira – DJe 21.08.2012 – p. 721. [19]  KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 61. [20] BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: Edipro, 2008, p. 153. [21] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 23-24. [22]  MACHADO, Hugo de Brito. Teoria das sanções tributárias. Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 159-191. [23] AMARO, Luciano. Infrações tributárias. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 67, p. 25-42, 1996. [24] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento Nº 70002916740, Primeira Câmara Especial Cível, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, 2001.  

  •   Legitimidade Ativa e Interesse do Consumidor na Repetição Indébito do ICMS na Demanda de Energia

    Legitimidade Ativa e Interesse do Consumidor na Repetição Indébito do ICMS na Demanda de Energia     Clóvis Fedrizzi Rodrigues Doutorando em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Mestre em Direito pela Universidade de Granada - Espanha Pós-Graduado em Direito Processual Civil Pós-Graduando em Direito Tributário pela UFRGS Advogado     Área do Direito: Tributário Resumo: O presente estudo demonstrará a legitimidade ativa e interesse do consumidor de energia elétrica na repetição indébito do ICMS diante da peculiaridade da situação fática que envolve o tema. Contudo, indispensável um estudo prévio sobre o sistema normativo que envolve o ICMS, bem como uma breve explicação sobre a demanda de energia e sua diferenciação com consumo de energia. Palavras-chave: Demanda – Energia – ICMS – Legitimidade ativa – Interesse Abstract: This study will demonstrate the legitimacy active and interest of consumers of electricity in the repetition overpayment of GMST (Brazilian state excise tax) on the peculiarity of the factual situation surrounding the theme. However, a previous study on essential regulatory system involving GMST as well as a brief explanation of the energy demand and its differentiation from energy consumption. Keywords: Demand - Energy - GMST ((Brazilian state excise tax) - Legitimacy active - Interest Sumário: 1. Introdução - 2. Fato gerador do ICMS na energia - 3. Sujeito passivo da obrigação tributária - 4. Explicação sobre a demanda de energia - 5. Diferença entre demanda de energia e consumo de energia - 6. Legitimidade ativa e interesse do consumidor de energia na repetição do indébito - 7. Considerações finais - 8. Referências bibliográficas. 1. Introdução             O ICMS, assim como o IPI, é tributo indireto razão pela qual sua restituição ao contribuinte de direito reclama a comprovação da ausência de repasse do ônus financeiro ao contribuinte de fato. A jurisprudência do STJ admitia a legitimidade ativa do consumidor para discutir ICMS sobre energia elétrica, até que no julgamento do Recurso Especial 903.394, sob o regime dos repetitivos, a 1ª Seção mudou o entendimento ao afastar a legitimidade ativa de uma distribuidora de bebida para questionar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ao entender que somente o “contribuinte de direito” tem essa prerrogativa.             Posteriormente ao julgamento do citado recurso especial, o STJ no Recurso Especial 1.299.303/SC[1] sob o regime dos repetitivos, apreciou a questão da legitimidade do consumidor de energia elétrica para discutir a validade do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia e abriu uma exceção em sua jurisprudência e reconheceu a legitimidade "ad causam" do consumidor final.             O fundamento nuclear do acórdão partiu da premissa de que há aumento de impostos, automaticamente há aumento de tarifas pelas concessionárias, por disposição normativa inerente à política tarifária dos serviços públicos concedidos, ou seja, o consumidor paga tributo, e não apenas preço fixado pelo mercado, diversamente do que acontece na generalidade das situações referentes ao ICMS. O voto condutor entendeu ainda, que as concessionárias não têm o menor interesse em mover ação de repetição de indébito. Diante disso, não seria possível negar legitimidade ao consumidor situação que implicaria negar o próprio acesso à jurisdição. Com base nesses fundamentos, passou o Superior Tribunal de Justiça conferir legitimidade ativa ao consumidor final para discutir em juízo a legalidade da tributação do componente tarifário e consequentemente postular a repetição do indébito.             Com efeito, o Tribunal no acerto da premissa segundo a qual a distribuidora repassa o encargo tributário na tarifação por imposição normativa e paga tributo a título alheio, por conta do consumidor final, real contribuinte do ICMS, que, então, assumiria a dupla condição de contribuinte de direito (porque integra o polo passivo da obrigação tributária correspondente) e de contribuinte de fato (porque suporta a carga econômica do tributo). Isso porque, ao contrário do que ocorre com os consumidores livres, que podem adquirir produtos de qualquer fornecedor, no caso de fornecimento de energia a situação é diversa, porquanto não tem essa opção. 2. Fato Gerador do ICMS na Energia               O ICMS é um dos impostos mais complexos do sistema tributário.[2] Conforme preceitua a Constituição Federal, a hipótese de incidência de ICMS tem seus elementos delineadores insculpidos no artigo 155, inciso II da CF, § 3º.               O aspecto material do fato gerador do ICMS incide sobre a realização de operações relativas a circulação de mercadoria. A circulação pressupõe a entrega da mercadoria, a tradição, o efetivo consumo. Sem a mudança de titularidade não se pode falar em incidência de ICMS. Com efeito: “a base nuclear do fato gerador é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e comunicação, ainda que iniciados no exercício anterior (art. 155, II da CF).[3]                               Podemos afirmar que o fato gerador da incidência do ICMS é a realização da circulação da mercadoria, no caso do presente estudo (efetivo consumo de energia elétrica), e não somente a sua colocação à disposição do consumidor. É definido no artigo 2° do Convênio 66/88 como momento do fato gerador da circulação da energia elétrica: "(...)V - na saída da mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento de mesmo titular; VI - Na saída de mercadoria do estabelecimento extrator, produtor ou gerador, para qualquer outro estabelecimento, de idêntica titularidade ou não, localizado na mesma área ou em área continua ou diversa destinada a consumo ou à processo de tratamento ou de industrialização, ainda que as atividades sejam integradas."             Deste modo o fato gerador eleito pelo legislador é o momento da entrega da energia elétrica no estabelecimento adquirente, sendo esta o marco de tempo hábil à demarcar a incidência da norma jurídica tributária.        O valor da fatura irá nominar a base de cálculo para a cobrança de ICMS, pelo ato de circular a "mercadoria" "energia elétrica", na operação da qual irá efetivamente ocorrer a sua saída. Não há de se falar em incidência do ICMS sobre o valor da operação que resultou garantia de potência para o consumidor, e, sim para aquele efetivo consumo de energia.             Com efeito, é ilegal a inserção na base de cálculo do ICMS do valor da "demanda de energia", vez que estas são penalidades impostas pelo não consumo da energia disponibilizada, no contrato firmado com o concessionário, não havendo, assim, fato gerador do ICMS.             Neste diapasão, se posiciona o emérito Professor Roque Antônio Carrazza[4]: “A base de cálculo possível do ICMS incidente sobre energia elétrica é o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria (a energia elétrica) ao consumidor. Noutro giro, é o preço da energia elétrica efetivamente consumida, vale dizer, o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria ao consumidor final. Isto corresponde, na dicção do art. 34, § 9º, do ADCT ao ‘preço praticado na operação final’. O preço, ressaltamos com ênfase, consiste na parte essencial no cálculo do ICMS. A base de cálculo do imposto não pode ser diversa do valor da operação da qual decorra a entrega da mercadoria ao consumidor, não comportando esta qualquer incremento ou majoração.”             No mesmo sentido, leciona o Professor Hugo de Brito Machado:[5] “ Nos contratos de fornecimento de energia elétrica, as distribuidoras estabelecem, para determinada categoria de consumidores, a obrigação de pagar a demanda contratada. E calculam o ICMS sobre o valor cobrado em suas faturas, vale dizer, incluem na base de cálculo do imposto o valor recebido, sem que a energia elétrica tenha sido efetivamente fornecida. A ilegalidade é evidente. O fato gerador do ICMS não é o contrato, mas a efetiva entrega da energia elétrica. Não pode, pois, o imposto incidir sobre um valor que é pago pelo cliente da distribuidora apenas para ter a garantia desta de que lhe fornecerá a energia, se houver necessidade.”.             Não poderia ser diferente uma vez que dispõe o artigo 116, II do Código Tributário Nacional: "Art. 116 - Salvo disposição em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes em seus efeitos: (...) II - Tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja efetivamente constituída, nos termos de direito aplicável."             Somente há incidência do ICMS sobre energia elétrica, se de fato houve uma "situação jurídica", pela efetiva circulação de energia elétrica no estabelecimento consumidor, o fato se dá com efetivo consumo, e, não apenas pelo pacto contratual de reserva de potência.             O artigo 116 do Código Tributário Nacional determina o aspecto temporal da ocorrência do fato gerador do ICMS apenas se não houver disposição de lei em contrário, sendo que no caso sob análise não há legislação a contrário senso.             Há um erro no entendimento sobre o aspecto temporal, visto que não ocorreu incidência no que diz respeito ao desenho da regra matriz do ICMS sobre operações de circulação de energia elétrica, pois o artigo 155, § 3° da Constituição Federal, os artigos 1°, 2° e 198 do convênio ICMS n° 66/88, o artigo 12, I, da Lei Complementar n° 87/96 e, ainda, as normas complementares, fixam inequivocadamente na entrega da energia ao consumidor o marco temporal em que se reputa ocorrido o fato gerador do ICMS incidente sobre tal operação. 3. Sujeito Passivo da Obrigação Tributária             Diz o art. 121 do CTN que o sujeito passivo da obrigação principal contribuinte é a pessoa que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, e responsável tributário quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.[6]             É fato que o responsável tributário é pessoa que, tendo relação com o fato gerador, a lei atribui responsabilidade para o recolhimento do tributo; este não se confunde com o contribuinte em si, pessoa que, naturalmente, seria o sujeito passivo da obrigação tributária. Ao examinar essa conceituação do CTN, Hugo de Brito Machado [7] assinalou: “O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa natural, ou jurídica, obrigada a seu cumprimento.” Também Paulo de Barros Carvalho[8] ensina que: “sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa - sujeito de direitos - física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculem meros deveres instrumentais ou formais”.             A definição do conceito de “relação jurídica tributária” encontra-se vinculada ao conceito de direito positivo tributário, o qual, por sua vez, consiste no complexo de normas jurídicas válidas que se referem, direta ou indiretamente, ao exercício da tributação: instituição, fiscalização e arrecadação tributária. Considerada em seu sentido estrito, “obrigação tributária” é o vínculo abstrato em que uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de prestação de cunho patrimonial, decorrente da aplicação de norma jurídica tributária.             Surgida a obrigação tributária mediante a aplicação da respectiva regra-matriz de incidência, nasce, simultaneamente, o crédito tributário. Trata-se de elemento indissociável da obrigação de pagar tributo, consistente no direito subjetivo de que é possuidor o sujeito ativo.             Hugo de Brito Machado em sua obra Curso de Direito Tributário, Malheiros, 2009, p.172, citado por Leandro Paulsen[9], assim discorre sobre o crédito tributário: “é o vínculo jurídico de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).”. 4. Explicação Sobre a Demanda de Energia             Os consumidores de grande quantidade de energia firmam contrato de fornecimento de energia com as empresas concessionárias fornecedores de energia elétrica ao seu estabelecimento. Neste contrato são previstas duas cobranças distintas, calculadas de diferentes formas. A primeira delas decorre do efetivo consumo da energia elétrica pelo estabelecimento, ou seja, o consumidor paga pela energia que saiu dos terminais das fornecedoras de energia e ingressou no seu estabelecimento. A outra cobrança é um pouco mais complexa e requer, por isso, uma melhor explanação.             No caso de necessidade grande quantidade de energia elétrica ao longo do mês, as fornecedoras de energia buscam fazer uma previsão de energia que será consumida, buscando assim evitar racionamento e apagões. Mais especificamente, as fornecedoras de energia elétrica, cuidando para não serem surpreendidas com uma súbita conjunta na demanda de energia, medem a quantidade de energia elétrica demandada para cada estabelecimento. E de acordo com essa medição, será feita a segunda cobrança ao consumidor.             Assim, o consumidor celebra contrato de fornecimento de energia elétrica com a respectiva fornecedora e se estabelece quantidade máxima de energia que será demandada por seus estabelecimentos. Esta será a demanda contratada, sobre a qual incidirá um pagamento mensal, feito pelas empresas às fornecedoras de energia elétrica. Caso extrapole, em qualquer momento esse limite contratual as empresas pagarão á fornecedora uma sobretaxa – entenda-se, uma multa -, que será cobrada em adição ao valor da demanda contratada. Em outras palavras: a fornecedora de energia, fazendo uso do medidor de demanda de energia escolhe o período que revele maior pico máximo do estabelecimento. Esse pico máximo não pode ser superior à demanda contratada, sob pena de desencadear a incidência de sobretaxa (ou tarifa de ultrapassagem).             Note-se, portanto, que esse contrato de fornecimento de energia é feito justamente para que as concessionárias de energia estejam previamente preparadas para disponibilizar as grandes consumidoras o quantum de energia necessário à realização de suas atividades, ao mesmo tempo em que, estas últimas estejam atentas a não extrapolar, no decorrer da realização de suas atividades, a demanda de energia prevista contratualmente, evitando assim pagar multas e acréscimos contratuais às fornecedoras, bem como panes ou mesmo falta de energia elétrica.             Sobre o ponto de vista acima delineado, percebe-se que o valor da demanda de energia não revela o efetivo consumo de energia. Esclarecedor quanto ao tema é Hugo de Brito Machado citado por Leandro Paulsen: “Nos contratos de fornecimento de energia elétrica as distribuidoras estabelecem, para determinada categoria de consumidores, a obrigação de pagar a demanda contratada. E calculam o ICMS sobre o valor cobrado em suas faturas, vale dizer, incluem na base de cálculo do imposto o valor recebido sem qualquer energia elétrica tenha sido efetivamente fornecida. A ilegalidade é evidente. O fato gerador do ICMS não é o contrato, mas a efetiva entrega de energia elétrica. Não pode, pois, o imposto incidir sobre o valor que é pago pelo cliente da distribuidora apenas para ter a garantia desta de que lhe fornecerá a energia se houver necessidade.”[10]. 5. Diferença entre Demanda de Energia e Consumo de Energia             Indubitavelmente há diferença entre esses dois itens, até porque consistem (a demanda e o consumo de energia elétrica) em grandezas diferentes – o primeiro expresso em KW enquanto o segundo KWh. Na verdade, trata-se de dois modos distintos de se medir a mesma energia elétrica: um deles (em KWh) a exata quantidade de energia consumida pela empresa; o outro (em KW) apenas os picos de energia.             Fazendo uma curiosa comparação, a situação aqui narrada é similar á um veículo automotor que para percorrer determinado número de quilômetros (Km) paga um valor a título de pedágio. Por outro lado, é certo que, ao longo daquela mesma estrada, existem radares eletrônicos que medem a velocidade do veículo (Km/h), a qual se ultrapassar o limite constante na sinalização, ensejara aplicação de multa. Da mesma forma, para consumir energia elétrica (KWh), o consumidor paga um valor que mudará de acordo com a quantidade de energia consumida ao mês. Por outro lado, é certo que, ao longo daquele mesmo mês, um aparelho medirá a demanda de energia elétrica (KW), a qual, se ultrapassar o limite estabelecido mo contrato celebrado com a fornecedora de energia elétrica, ensejará uma penalidade (sobretaxa ou tarifa de ultrapassagem).             A diferença entre demanda de energia e consumo de energia pode ser verificada só pela observação da fatura. Nestas os valores de uma e de outra são destacados separadamente. Observe-se que há um medidor específico para demanda em (KW) e outro para consumo efetivo (KWh), inclusive os valores de cobrança são faturados separadamente. Portanto, demanda de energia não é consumo de energia. Por essa razão, o enunciado da Súmula/STJ nº 391 em sua redação está equivocada[11]. 6. A Legitimidade Ativa e Interesse do Consumidor de Energia na Repetição Indébito O contribuinte que efetua o pagamento do tributo, geralmente conhecido como contribuinte de direito, tem legitimidade para a ação de repetição do indébito, salvo naqueles casos em que a lei autoriza expressamente a transferência do ônus respectivo para terceiro, que em tal situação, a nosso ver, assume também a condição de contribuinte de direito. O ICMS e o IPI são exemplos de tributos que, por sua constituição jurídica, comportam a repercussão do encargo financeiro (tributos chamados de indiretos), razão pela qual sua restituição ao contribuinte de direito reclama a comprovação da ausência de repasse do ônus tributário ao “contribuinte de fato”. Com essa posição, recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça: “O usuário do serviço de energia elétrica (consumidor em operação interna), na condição de contribuinte de fato, é parte legítima para discutir pedido de compensação do ICMS supostamente pago a maior no regime de substituição tributária. Esse entendimento é aplicável, mutatis mutandis, em razão da decisão tomada no REsp 1.299.303/SC, julgado pela sistemática prevista no art. 543-C do CPC, em que se pacificou o entendimento de que o consumidor tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada. AgRg no RMS 28.044-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/11/2012”. No caso da energia elétrica, o tributo integra a tarifa e, portanto,  não há como deixar de ser repassada ao consumidor final, único que terá interesse em promover ação judicial. Além disso, não há concorrência no mercado de fornecimento de energia, sujeitando-se o consumidor ao repasse na tarifa.  Nesse sentido, o consumidor de energia é o legitimado ativo na propositura da ação, uma vez que: “a legitimidade ad causam consiste na pertinência subjetiva da ação e é identificada a partir da situação jurídica de direito material objeto da lide”.[12]             A legitimidade ad causam é uma das condições da ação, prevista nos arts. 3º e 267, VI, do CPC, consistente na relação de pertinência entre a parte e o direito objeto da lide (pertinência subjetiva), ou seja, relaciona-se com a titularidade da ação (plano ativo) e a resistência à pretensão (aspecto passivo). Além dos pressupostos processuais, exige-se que a parte esteja inserida na relação de direito material discutida. Consequentemente, só podem ser partes “[...] os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva, ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão”[13]. Todavia, o legitimado não necessariamente será o titular do direito sub judice, pois a procedência do pedido não retira a legitimidade do réu, tampouco a improcedência exclui a legitimidade ad causam do autor [14]. Em regra, a legitimidade ad causam é ordinária quando o próprio titular exerce a condição de parte, mas pode também ser extraordinária, nas hipóteses em que a parte, em nome próprio, defende direito alheio, na denominada substituição processual.             A legitimidade ad causam é, portanto, a condição da ação que diz respeito à solução do problema decorrente da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva.[15] No caso da repetição de indébito há que se obervar: “ a posição da pessoa do “responsável” frente a atividade tributária, focando todos os aspectos das diversas relações jurídicas específicas que lhe dizem respeito. É importante focar as peculiaridades materiais, formais e de procedimento que são inerentes a cada uma delas.”[16] Como é cediço, na doutrina e na jurisprudência o interesse de agir é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade. Assim, o interesse de agir pode ser definido, segundo corrente lição doutrinária, como a utilidade da tutela jurisdicional pretendida, só está presente quando tal tutela é necessária, e quando se pretende obter o provimento a adequado, pelo meio adequado, para a solução da lide que provocou a tutela jurisdicional. No caso em tela, não se pode dizer que não exista o interesse dos consumidores de energia. Entretanto, no que se refere às concessionárias de energia não será útil à tutela jurisdicional, pois, como dito, os valores do imposto já integram a tarifa de energia e é repassada ao consumidor final por força normativa. 7. Considerações finais             Como visto, apenas a tarifa decorrente do consumo (expressa em Kwh) integra a base de cálculo do tributo.A só disponibilização da potência, portanto, seja utilizada ou não, não se constitui em consumo de energia elétrica sujeito ao ICMS. É  a utilização da potência que refletirá o consumo, esse sim, tributado. Diante disso, afirmar que incide ICMS sobre a “demanda de potência efetivamente utilizada” significa admitir a incidência sobre a demanda de potência.               O enunciado da Súmula/STJ nº 391 reconhece que apenas incide o ICMS sobre o consumo efetivo de energia elétrica, tendo apenas, por equívoco se referido à “demanda de potência efetivamente utilizada”, quando, em verdade, considera devido o ICMS apenas sobre o efetivo consumo. De duas uma: ou o ICMS incide sobre a demanda de potência contratada, ou não incide. Isso porque, como já dito, não há consumo de potência. O consumo é da energia oferecida segundo determinada potência, a qual não é medida, cumulativamente, mas sim “utilizada”, ou “demandada”. Apenas a energia consumida é quantificada cumulativamente.               Portanto, o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, e não sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência, porquanto estes, no caso, não constituem fato gerador do imposto.               Na repetição do indébito o contribuinte de fato é parte legítima para propor a ação, mormente em razão do seu interesse processual em ver cessada a cobrança ilegal dos encargos em questão. Até porque, a empresa concessionária de energia elétrica nenhum interesse possui em discutir tal questão no Judiciário, porquanto ela não sofre o ônus respectivo, na medida em que, o repassa aos seus consumidores e é daí que emerge a possibilidade de conferir legitimidade ao contribuinte de fato, já que o artigo 166 do CTN determina que a restituição do indébito se dê a quem assumiu o ônus financeiro.   8. Referências bibliográficas. ALEXANDRE, Ricardo Alexandre. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009. CARRAZZA, Antônio Roque. ICMS: da Impossibilidade da Incidência do Imposto sobre a Chamada Sobretarifa de Energia Elétrica. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v.74, p.84-85, nov. 2001. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 204. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Vol. I, 2. ed. Tradução e Notas CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Rio de Janeiro: Forense, 1995. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1996. ______, Aspectos do ICMS no fornecimento de energia elétrica, Juris Síntese nº 74 - NOV/DEZ de 2008. MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado 2ª ed. ver. atul.  e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. ______. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012. ______. Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2006.     [1] Eis a ementa do julgado: “RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A DEMANDA "CONTRATADA E NÃO UTILIZADA". LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR PARA PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. - Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada. - O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica. Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil." (REsp 1.299.303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 14/08/2012.)”. [2] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012 p. 263. [3] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 987. [4] CARRAZZA, Antônio Roque. ICMS: da Impossibilidade da Incidência do Imposto sobre a Chamada Sobretarifa de Energia Elétrica. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v.74, p.84-85, nov. 2001. [5] MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos do ICMS no fornecimento de energia elétrica,  Juris Síntese nº 74 - NOV/DEZ de 2008. [6] ALEXANDRE, Ricardo Alexandre. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 595. [7] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 96. [8] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 204. [9] PAULSEN, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 1000. [10] PAULSEN, Leandro. Direito tributário constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 332. [11] Súmula/STJ nº 391 – “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.”. [12] MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado 2ª Ed. ver. atul.  e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 42. [13] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2006. p. 67. [14]  “Não estão legitimados apenas os titulares da relação jurídica substancial, como se possa pensar numa análise superficial, mas os titulares da relação substancial afirmada em juízo, que é meramente hipotética, pois é possível que, ao se examinar o mérito, seja declarada a sua inexistência, julgando-se improcedente o pedido do autor. Exemplificativamente, se A promove uma ação de investigação de paternidade em face de B, afirmando que este é seu pai, mesmo que o exame pericial demonstre o contrário, não se pode dizer que haja ilegitimidade para a causa. É o pedido que deve ser julgado improcedente” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 74-75). [15] LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de direito processual civil. Vol. I, 2. ed. Tradução e NOTAS CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 157. [16] PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p.206.  


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